Em janeiro de 1931, Virginia Woolf escreveu um texto que foi lido para a Sociedade Nacional de Auxílio às Mulheres. Convidada para falar sobre as suas experiências profissionais, a escritora discorreu sobre o “Anjo do Lar”, uma sombra que, segundo ela, havia em todas as mulheres. No texto, Virginia contou que, ao começar a escrever suas primeiras resenhas como jornalista, havia sido atormentada pelo “Anjo do Lar”, tanto que preferiu matá-lo. Este texto é um dos sete ensaios que está no livro que acaba de ser lançado na Série Pocket Plus L&PM, Profissões para mulheres e outros artigos femininas. Ao ler a descrição do Anjo do Lar, percebemos que ele há muito já voou para longe. Mas se fez isso, provavelmente foi graças a mulheres como Virginia Woolf.
“E, quando eu estava escrevendo aquela resenha, descobri que, se fosse resenhar livros, ia ter de combater um certo fantasma. E o fantasma era uma mulher, e quando a conheci melhor, dei a ela o nome da heroína de um famoso poema, “O Anjo do Lar”. Era ela que costumava aparecer entre mim e o papel enquanto eu fazia as resenhas. Era ela que me incomodava, tomava meu tempo e me atormentava tanto que no fim matei essa mulher. Vocês, que são de uma geração mais jovem e mais feliz, talvez não tenham ouvido falar dela – talvez não saibam o que quero dizer com o Anjo do Lar. Vou tentar resumir. Ela era extremamente simpática. Imensamente encantadora. Totalmente altruísta. Excelente nas difíceis artes do convívio familiar. Sacrificava-se todos os dias. Se o almoço era frango, ela ficava com o pé; se havia ar encanado, era ali que ia se sentar – em suma, seu feitio era nunca ter opinião ou vontade própria, e preferia sempre concordar com as opiniões e vontades dos outros. E acima de tudo – nem preciso dizer – ela era pura. Sua pureza era tida como sua maior beleza – enrubescer era seu grande encanto. Naqueles dias – os últimos da rainha Vitória – toda casa tinha seu Anjo. E, quando fui escrever, topei com ela já nas primeiras palavras. Suas asas fizeram sombra na página; ouvi o farfalhar de suas saias no quarto. Quer dizer, na hora em que peguei a caneta para resenhar aquele romance de um homem famoso, ela logo apareceu atrás de mim e sussurrou: “Querida, você é uma moça. Está escrevendo sobre um livro que foi escrito por um homem. Seja afável; seja meiga; lisonjeie; engane; use todas as artes e manhas de nosso sexo. Nunca deixe ninguém perceber que você tem opinião própria. E principalmente seja pura.” (Trecho de “Profissões para mulheres”, primeiro artigo do livro – Tradução de Denise Bottmann)
Virginia Woolf também é um dos nomes da Série Biografias L&PM. E, breve, chegará à Coleção L&PM Pocket, Mrs. Dalloway.