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Odisseias de Filmagens

Por Goida*

O enunciado da obra assusta um pouco. Mark Harris se propõe a analisar a partir de cinco filmes que concorreram ao Oscar em 1967 – Bonnie and Clyde, No Calor da Noite, Adivinhe Quem Vem Para o Jantar, A Primeira Noite de um HomemO Fantástico Dr. Dolittle – o nascimento da nova Hollywood. Em mais de 400 páginas ele conta as fases de realização de cada uma destas produções. Apesar da limitação quase total ao quinteto citado, o livro nos fascina. As coisas não foram fáceis. Por exemplo, os trabalhos com o roteiro de Bonnie and Clyde começaram em 1962. Entre os diretores que foram contatados para realizarem a fita, apareceram até dois franceses, François Truffaut e Jean Luc Godard. Para se chegar ao até “tudo pronto” de A Primeira Noite de um Homem houve brigas, buscas intermináveis de intérpretes, o encontro e a aposta em Dustin Hoffman e muitas outras coisas mais. É com que se frise, Hollywood vivia uma época em que todos olhavam com um pouco de inveja o que estava vindo da Europa. Os filmes da “Nouvelle Vague” francesa. As obras-primas de Fellini, Visconti e Antonioni. O “Free Cinema” da Inglaterra, revelando nomes como Tony Richardson, Karel Reisz, John Schlesinger e Richard Lester. O novo mundo se curvava à velha cultura europeia. Mais ainda: filmes de baixo custo, libertários, revolucionários, sem nenhum problema com a censura. Hollywood ainda estava aprisionada ao código de produção da MPAA (Motion Picture Associaton of America), que cortava as asas de qualquer um que tentava fugir da gaiola.

Vindos de uma Nova York um pouco mais liberal começaram a se destacar em Los Angeles figuras como Mike Nichols e Arthur Penn. Stanley Kramer, produtor e diretor junto com alguns outros veteranos mais iluminados, queria fugir dos padrões superados e tirar o público da apatia reinante. Os cinco filmes recordados no livro de Harris não poderiam ser melhor escolhidos. As fases que passaram, até a estreia, são incrivelmente ricas em situações às vezes próximas ao ataque de nervos. Cenas de uma Revolução, ao narrar esta busca de um novo cinema, nos faz acompanhar verdadeiras odisseias. Contra os Ulisses de uma nova era, há de tudo para impedi-los chegarem até o sucesso. Sereias, gigantes de um olho só (os executivos presos à artificialidade do cinema de então) e outros tipos de monstros e obstáculos praticamente intransponíveis. Estas odisseias são repletas de casos e personagens variados. Destaco o capítulo onde Jane Fonda, vinda da Europa com Vadim, dá uma festança na sua casa beira mar, reunindo ao mesmo tempo a velha e a nova Hollywood. E a narrativa onde se conta a derradeira cena de Spencer Tracy para Adivinhe Quem Vem Para Jantar. Com a saúde em pandarecos, Spencer fez chorar todos que estavam no set. E a gente também, mesmo a distância, já que se sabe que Tracy morreu três dias depois.

Pois é, quase tudo assim. Um testemunhal vivo e rico sobre aquela fase de transição difícil. Você vai começar a leitura e só parar no “The End”.

* Goida é jornalista, pesquisador e autor, entre outros, de Enciclopédia dos quadrinhos que será relançado pela L&PM em setembro deste ano. Este texto foi especialmente escrito para o Blog L&PM.