Arquivo da tag: Oscar Wilde

Um dia que tem a cor do arco-íris

28 de junho é o Dia Internacional do Orgulho LGBT+. Para marcar o dia, postamos aqui alguns trechos de livros de escritores que tinham muito orgulho de ser o que eram:

patricia_arcoiris

O cheiro abafado e ligeiramente doce de seu perfume atingiu Therese de novo, um cheiro que lembrava seda verde-escura, que era só dela, como o perfume de alguma flor especial. Therese inclinou-se mais em sua direção, olhando para seu copo. Ela queria empurrar a mesa para um lado e pular nos braços dela, enterrar seu nariz no cachecol verde e dourado que estava bem atado em volta do pescoço dela.  (Patricia Highsmith, do livro Carol)

* * *

allen_arcoiris

Estou feliz, Kerouac, seu louco Allen
finalmente conseguiu: achou um cara novo
e minha imagem de um garoto eterno
passeia pelas ruas de San Francisco,
lindo, e me encontra nas cafeterias
e me ama. Ah, não pense que estou maluco.
Você está zangado comigo. Pelos meus amantes?
É duro comer merda, sem ter visões;
quando eles me olham, para mim é o Paraíso.
(Allen Ginsberg, do livro Uivo e outros poemas)

* * *

oscar_arcoiris

– Ele gosta de mim. Sei que gosta. É claro que eu o lisonjeio demais, e sinto um prazer estranho em dizer coisas de que estou certo que vou me arrepender. Como norma, ele é delicado comigo, nós nos sentamos no ateliê e conversamos sobre uma porção de coisas. De vez quando, porém, ele é muito descortês, e parece sentir prazer em me causar dor. Nessas horas, Harry, sinto que sou tratado como uma flor de lapela, uma peça de decoração para deleitar-lhe a vaidade, um ornamento de um dia de verão. (Oscar Wilde, do livro O retrato de Dorian Gray)

* * *

caio_arcoiris

Eu queria aquele corpo de homem sambando suado bonito ali na minha frente. Quero você, ele disse. Eu disse quero você também. Mas quero agora já neste ins­tante imediato, ele disse e eu repeti quase ao mesmo tempo também, também eu quero. Sorriu mais largo, uns dentes claros. Passou a mão pela minha barriga. Passei a mão pela barriga dele. Apertou, apertamos. As nossas carnes duras tinham pêlos na superfície e músculos sob as peles morenas de sol. Ai-ai, alguém falou em falsete, olha as loucas, e foi embora. Em volta, olhavam. (Caio Fernando Abreu, do livro Morangos Mofados)

O homem que deu vida a Drácula

Abraham “Bram” Stoker nasceu no dia 8 de novembro de 1847 em Dublin, na Irlanda, e foi uma criança bastante debilitada. Tanto que praticamente não saiu de casa nos primeiros sete anos de vida. E foi justamente essa clausura que fez com que o pequeno Bram conhecesse muitas histórias, já que sua mãe lia o tempo inteiro para ele.

Recuperado, o jovem Bram Stoker quis conhecer o mundo e logo dedicou-se às letras. Mas engana-se quem pensa que o autor de Drácula foi uma super celebridade em sua época. Na verdade, durante seus 64 anos de vida, ele ficou mais conhecido por ser o assistente pessoal do famoso ator Henry Irving e gerente de negócios do Lyceum Theatre em Londres (que pertencia a Irving) do que como escritor. Antes de lançar Drácula, em 1897, Bram Stoker passou anos pesquisando o folclore europeu e as histórias mitológicas de vampiros. Romance epistolar, escrito de forma realista, o livro possui formato de diário com telegramas, cartas, registros de navio e recortes de jornais. Um estilo que provavelmente Stoker desenvolveu na época em que trabalhou como jornalista. Ao ser publicada, a história do Conde Drácula foi considerada um “romance de horror simples”. Que ganharia força e fortuna apenas após a morte de seu criador.

Oscar, born to be Wilde

06/11/2016 – Por Fernando Eichenberg* – fernandoeichenberg.wordpress.com

oscar-wilde1

Oscar Wilde fotografado por Napoleon Sarony, em 1882. © Biblioteca do Congresso dos EUA

 “A melhor maneira de livrar-se de uma tentação é ceder a ela”. “Viver é a coisa mais rara do mundo; a maioria das pessoas se contenta em existir”. “Há duas tragédias na vida: uma é satisfazer seus desejos, e a outra é não satisfazê-los”. “Dizer que um livro é moral ou imoral não tem sentido; um livro é bem ou mal escrito”. “Democracia: a opressão do povo, pelo povo e para o povo”. “Quando os deuses querem nos punir, eles atendem as nossas preces”.

Quem já não leu ou ouviu uma destas máximas? As espirituosas sentenças e aforismos se reproduzem às dezenas pela pena do escritor irlandêsoscar-wilde4 Oscar Wilde (1854-1900), de quem se diz que hoje seria um incansável fraseador do twitter de 140 caracteres. O dândi provocador, esteta, crítico de arte, dramaturgo e autor de poemas, contos, ensaios e de um romance é atualmente tema de uma inédita exposição no Petit Palais, em Paris. Desde sempre admirado na França, Wilde até hoje nunca havia sido celebrado por meio de uma mostra no país. Seu bisneto, Merlin Holland, deu sua versão, em uma entrevista, para esta lacuna: “Enquanto em 1900, a Inglaterra vilipendiava meu bisavô, que O Retrato de Dorian Gray era condenado ao desprezo por apologia da homossexualidade, e que Salomé era acusado de encorajar o incesto e a necrofilia, Wilde era adulado na França e em toda a Europa. Para os franceses, em particular, ele foi rapidamente incluído no panteão das grandes figuras literárias. O que explica, aliás, que tenha levado tanto tempo para se montar esta exposição em Paris! Não parecia necessário”.

O Petit Palais levou dois anos para organizar o aguardado evento, batizado de “Oscar Wilde, o impertinente absoluto”. O percurso coloca em perspectiva a escrita do personagem e seus objetos pessoais com obras que o influenciaram, num total de cerca de duzentas peças coletadas em todo o mundo. A visita debuta com o artista do barroco italiano Guido Reni (1575-1642) e sua obra-prima “São Sebastião”(1615), tela que raramente deixa o Palazzo Rosso de Gênova e é exposta pela primeira vez em Paris. Em 1877, Wilde se extasiou com o “ideal de beleza” da pintura, e em seus últimos anos na capital francesa adotou o pseudônimo Sebastian Melmoth, em homenagem ao padroeiro.

oscar-wilde2

“São Sebastião”, de Guido Reni / Reprodução

Há também a célebre série de retratos feita pelo fotógrafo Napoleon Sarony, quando Wilde desembarcou em 1882 em Nova York, para uma turnê de conferências no país sobre o Renascimento inglês nas artes. Paris acolheu Oscar Wilde após ele ter cumprido uma pena de dois anos de cárcere com trabalhos forçados na Inglaterra vitoriana, acusado de imoralidade. Morreu na manhã de 30 de novembro de 1900, aos 46 anos, doente e arruinado, em seu quarto no L’Hotel, no número 13 da rua des Beaux-Arts (onde também se hospedaram Jorge Luis Borges, Jim Morrison ou Serge Gainsbourg), e hoje descansa em seu visitado túmulo no cemitério Père-Lachaise. A exposição permanecerá aberta até 15 de janeiro de 2017.

A suíte Oscar Wilde, no L’Hotel. © L’Hotel

A suíte Oscar Wilde, no L’Hotel. © L’Hotel

*Fernando Eichenberg é jornalista e escritor e mora em Paris, onde trabalha como correspondente internacional para diversos veículos. Pela L&PM publica os livros Entre Aspas volume 1 e Entre Aspas volume 2.

Antigo presídio em que Oscar Wilde escreveu “De Profundis” vira centro cultural

Em 20 de novembro de 1895, seis meses depois de ter sido condenado por atentado ao pudor e homossexualismo – e de ter passado pelos presídios de Pentonville e  Wandsworth -, o escritor Oscar Wilde foi transferido para a prisão de Reading, onde recebeu o número de matrícula C.3.3. Foi lá que o autor de O retrato de Dorian Gray testemunhou o enforcamento do soldado Charles Thomas Woolridge pelo assassinato de sua esposa, o que o inspirou a escrever “A balada da prisão Reading”. No ano seguinte, iniciaria a obra De Profundis, seus escritos de cárcere.

Este ano, depois de permanecer fechada por um bom tempo, foi anunciada que a antiga prisão Reading seria transformada em espaço cultural. E assim, em setembro, uma exposição foi inaugurada com a participação de artistas, escritores e ex-prisioneiros, intitulada “Inside: Artist and Writers in Reading Prison“.

Oscar Wilde Reading Prison expo

A mostra tem como uma dos focos a obra de Wilde e a leitura de De Profundis por vários artistas, entre eles a cantora Patti Smith. Ela ficará aberta ao público até 4 de dezembro (para mais informações e localização clique aqui). No vídeo abaixo é possível ver um trecho da leitura de Patti Smith:

Uma das tragédias da vida em prisão é que ela transforma o coração de um homem em pedra. O afeto, como todos os outros sentimentos, necessita ser alimentado. Eles morrem facilmente de inanição. Uma carta breve, quatro vezes por ano, não é suficiente para manter vivos os sentimentos mais suaves e humanos através dos quais, em última análise, a natureza é mantida sensível às influências boas ou belas, as quais podem curar uma vida desgraçada e em ruínas. (Trecho de De profundis, Coleção L&PM Pocket, tradução de Júlia Tettamanzy)

“Satíricon”: a sátira das sátiras

Eis a mais celebrada obra literária em prosa da Antiguidade com nova tradução, direta do latim, feita por Alessandro Zir. O enredo de Satíricon começa em Nápoles, numa escola de retórica, na qual um jovem adulador e golpista chamado Encólpio busca, por intermédio do seu professor, Agamênon, ser convidado para um banquete na casa de Trimalquião, um ex-escravo, agora novo-rico. Outras pessoas de índole duvidosa se juntarão a essa verdadeira trupe de homens de pouca moral, encontrando outros personagens  – todos eles devidamente parodiados, satirizados, ironizados.

Satiricon

Como bem conta João Angelo Oliva Neto na apresentação da edição que agora chega à Coleção L&PM Pocket, a obra de Petrônio está presente em livros célebres de outros escritores

Satíricon interessou a importantes escritores modernos, que de diferentes maneiras se servem do livro. Oscar Wilde, em O retrato de Dorian Gray (1890), não mencionou personagens de Satíricon, mas sim o próprio Petrônio! A certa altura diz o narrador:

“Tendo descoberto que poderia ser, para a Londres de sua própria época, o que o autor de Satíricon fora para a Roma imperial de Nero, bem no íntimo do coração, porém, Dorian desejava ser algo mais que um mero elegantiarum arbiter a ser consultado sobre o uso de determinada joia, ou sobre o nó de uma gravata, ou sobre o modo de conduzir uma bengala.”

Na década de 1920, T.S. Eliot encontrou numa passagem do infernal banquete de Trimalquião a epígrafe para seu poema “A terra devastada”, e na mesma época F. Scott Fitzgerald, em O grande Gatsby, fez de seu herói, também ele novo-rico e dissipador, uma espécie de Trimalquião contemporâneo, tanto que o primeiro título que Fitzgerald dera ao romance foi Trimalchio. Em 1969 foi lançado o filme Satíricon, de Frederico Fellini, em que o banquete é central. 

Pela graça ou pela crítica, pela narrativa ou pela forma de narrar, pelas personagens ou pela paródia, Satíricon há de agradar ao leitor, fazê-lo rir, como quem ri da desgraça alheia. Mas lembro aqui palavras de outro satirista romano, Horácio, que disse: “Do que você está rindo? É só mudar o nome, e esta sátira estará falando de você mesmo!”. 

Oscar Wilde poderia ter morrido de amor

Já postamos aqui neste blog o obituário de Oscar Wilde, publicado no The New York Times em 01 de dezembro de 1900. O anúncio de falecimento comunicava que o escritor havia morrido às três da tarde do dia 30 de novembro e que teria vivido os últimos meses sob o nome de Manmoth. O texto dizia ainda que Lord Alfred Douglas estava com ele quando morreu. E que, apesar da causa morte ser meningite, havia a possibilidade do escritor ter cometido suicídio. Segundo seus biógrafos, no entanto, ambas as afirmações parecem não proceder. Nem seu antigo amante estava com ele e nem Wilde teria atentado contra a própria vida.

Nascido em Dublin no ano de 1854, o autor de O retrato de Dorian Gray viu sua vida mudar ao ser  acusado e processado pela família de “Bosie”, como era chamado Lord Alfred Douglas, o jovem aristocrata por quem Wilde se apaixonou. Condenado a trabalhos forçados que consumiram sua saúde e sua reputação, Oscar Wilde exilou-se em Paris e acabou seus dias pobre e no anonimato.

Oscar Wilde e Bosie Douglas

“Em 30 de novembro de 1900, o genial e extravagante Oscar Wilde, um dos maiores escritores do século XIX, senão de toda a história da literatura, morreu, aos 46 anos, em meio aos piores sofrimentos, ao anonimato total e à miséria mais absoluta, num quartinho decrépito e gelado de um sórdido hotel parisiense” conta Daniel Salvatore Schiffer em Wilde, da Série Biografias L&PM.

O livro também revela que o último contato que Wilde teve com Bosie veio por carta em 12 de novembro: “Terrivelmente angustiado, porém sem mais nenhuma ligação com a realidade por conta da febre que começava a se apoderar dele, Oscar só conseguia falar, num início de delírio de suas enormes dívidas. Depois, de repente, enquanto Wilde se agitava cada vez mais, Dupoirier irrompeu o quarto. Trazia uma carta. Era um bilhete de Bosie, espantosamente afetuoso, ao qual anexara, depois que Ross lhe informou sobre a misérie na qual vivia seu antigo amante, um cheque de dez libras. Comovido pelo gesto, Wilde deixou algumas lágrimas rolarem.”

A história de amor entre Oscar Wilde e Bosie está contada no filme “Wilde”, de 1997. No papel do escritor está Stephen Fry e como seu jovem amante, Judie Law. Vale ver o trailer:

O nascimento de Oscar Wilde

A criança que nasceu no dia 16 de outubro de 1854 em Dublin, na Westland Row, número 21, e que o mundo logo iria conhecer como o glorioso Oscar Wilde – tanto por seu gênio literário quanto por suas aventuras mundanas – tinha inicialmente um nome com consonâncias ainda mais prestigiosas: Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde. Pois foi assim que seus pais, William Robert Wilde e Jane Francesca Elgee – ambos pertencentes à antiga burguesia irlandesa protestante e fervorosos nacionalistas -, chamaram seu segundo filho, batizado com esse patrônimo pelo reverendo Ralph Wilde, seu tio paterno, em 26 de abril de 1855. De fato, tal nome de batismo traduz toda uma doutrina, enraizada num poderoso contexto histórico. Oscar, na mitologia céltica, é o filho de Ossian, rei de Morven, na Escócia; enquanto Fingal, irmão de Ossian, é um herói do folclore irlândes. (Trecho inicial de Oscar Wilde, Série Biografias L&PM)

De todos os dândis que encantaram a sofisticada sociedade londrina do final do século XIX, o mais brilhante e luminoso foi sem dúvida Oscar Wilde. Célebre, respeitado, Wilde viveu o ano de 1895 como o grande autor de O retrato de Dorian Gray (1891) e de três peças que faziam sucesso no momento: O leque de Lady Windermere, Um marido ideal e A importância de ser prudente. Neste mesmo ano, acusado de crimes de natureza sexual, foi processado pela família de Lord Alfred Douglas, um jovem aristocrata por quem se apaixonou e com quem compartilhou um excêntrico estilo de vida. Condenado, sua vida mudou radicalmente e o talentoso escritor viu-se encarcerado por dois anos com trabalhos forçados que consumiram sua saúde e fulminaram sua reputação. Na prisão, produziu, entre outros escritos, De profundis, o clássico anarquista, A alma do homem sob o socialismo e a célebre Balada do cárcere de Reading. Cumprida a pena, decidiu exilar-se em Paris em 1898 onde morreu em 30 de novembro de 1900.

Morrissey e Oscar Wilde

Morrissey, o vocalista da banda The Smiths, é fã assumido de Oscar Wilde. Tanto que o documentário que conta sua história de vida, lançado em 2003, se chama “A importância de ser Morrissey”, um trocadilho com um dos livros de Wilde chamado A importância de ser Prudente. Além disso, algumas fotos antológicas mostram o tamanho da paixão do velho Moz pelo autor de clássicos como O retrato de Dorian Gray, olha só:

1984-Moz-and-Oscar-Wilde-books

morrissey_wilde

A Irlanda, país natal de Oscar Wilde, aprova casamento gay por referendo popular

Oscar Wilde foi uma das mais célebres vítimas da intolerância contra homossexuais e foi encarcerado na prisão por isso. Agora, a Irlanda natal de Wilde tornou-se o primeiro país na História a reconhecer o casamento gay por referendo popular. Foi uma vitória esmagadora do “sim”. Leia artigo escrito por Beatriz Viégas-Faria a convite do jornal Zero Hora. Beatriz é tradutora de O fantasma de Canterville da Coleção L&PM Pocket.

O lado Wilde da História

Por Beatriz Viégas-Faria

Oscar Wilde (1854 – 1900) foi autor de alguns títulos clássicos das literaturas de língua inglesa, entre eles um romance (O Retrato de Dorian Gray), contos, poesia e várias peças teatrais (escritas entre 1891 e 1895) que o tornaram popular em seu tempo e que vêm sendo estudadas, filmadas e traduzidas até hoje (entre elas, Salomé, O Leque de Lady Windermere, Uma Mulher sem Importância, Um Marido Ideal, The Importance of Being Earnest – o título desta em português varia conforme a tradução).

A Irlanda era parte do império britânico, e Oscar Wilde, nascido em Dublin, viveu na era vitoriana (o reinado da rainha Vitória durou de 1837 até sua morte, em 1901). Foi um tempo que pode ser caracterizado como de hipocrisia social. Conforme se pode ler na introdução ao compêndio Essays and Nonfiction of Oscar Wilde (Golgotha Press, 2011): “havia casas de prostituição, maridos tinham e mantinham amantes, as mulheres nem sempre eram fiéis aos seus maridos, casais moravam em casas separadas, e a homossexualidade era praticada, mas a grande maioria das pessoas preferia ignorar tais assuntos e varrê-los para debaixo do tapete. […] Os homossexuais eram marginalizados, mas, se optassem por não viver à margem da sociedade, eram forçados a viver uma mentira ou fazer o possível e o impossível para disfarçar sua orientação sexual”.

Contudo, os pais de Oscar Wilde não tinham nada de convencionais para a época. O pai, William, foi um oftalmologista de renome que não fazia questão de esconder seus casos antes e depois do casamento. A mãe, Jane F. Elgee, era uma intelectual poliglota que publicava poesia e, já como Lady Wilde, foi uma ativista da causa pela independência da Irlanda.

Sabe-se que Oscar Wilde flertou com mulheres e com homens. Diz-se que ele foi um homossexual que lutava contra sua orientação, mas há autores que sustentam que era bissexual. A cerimônia de casamento com Constance Mary Lloyd, filha de um importante advogado irlandês, em 1884, foi impregnada de teatralidade – aparentemente, Londres não esperava outra coisa de Wilde. Do casamento, nasceram dois filhos homens – Cyril e Vyvyan.

Depois do nascimento do segundo filho, Wilde passou a frequentar locais em Londres onde mantinha encontros sexuais com outros homens, pagos ou não. Parece ter sido Lorde Alfred “Bosie” Douglas quem apresentou Wilde à prostituição masculina. No começo dos anos 1890, Bosie, com vinte e poucos anos, tornara-se amante do famoso Wilde. Quando o pai do rapaz, um marquês, acusou Wilde de homossexualidade (um crime à época), o próprio escritor, ingenuamente, resolveu processá-lo.

O dramaturgo negou ser homossexual quando perguntado em juízo. E deu continuidade a seu affair com Bosie. O pai do rapaz contratou quem coletasse provas da homossexualidade de Wilde. O marquês ganhou a causa e tomou para si os bens do autor, que foi condenado a dois anos de trabalhos forçados em Reading Gaol. O juiz alertou-o contra “atos piores que estupro ou assassinato”. Seu amante foi considerado “vítima”.

Na prisão, Wilde a princípio não teve acesso a material de escrita. Quando teve, escreveu um texto que até hoje impressiona, e muito – como literatura, como a anatomia de uma paixão, como um dossiê sobre alegrias e arrependimentos quando o assunto são os relacionamentos amorosos. De Profundis é livro sempre reeditado, sempre traduzido: uma longa carta ao seu querido Bosie, a quem ele acusa de nunca ter ido visitá-lo na prisão; um testemunho vívido de como podem sofrer os encarcerados.

Em maio de 1897, o prisioneiro C.3.3 de Reading Gaol foi libertado depois de cumprir sua pena, mudou-se para a França. Depois da condenação, Wilde não viu mais os filhos nem a esposa. Constance trocou seu sobrenome e o das crianças para Holland. O escritor passou os três últimos anos de sua vida na miséria, vivendo da caridade de amigos. Morreu em Paris, doente e sem conseguir voltar à literatura.

Em maio de 2015, a Irlanda natal de Wilde tornou-se o primeiro país na História a reconhecer o casamento de duas pessoas do mesmo sexo por referendo popular. Em vitória esmagadora do “sim” ao casamento gay, um país predominantemente católico revisa seus valores e atesta ser parte atuante do mundo conectado pelas redes sociais. Até 1993, há meros 22 anos, a homossexualidade ainda era crime na Irlanda, como no tempo de Wilde. O poder da Igreja Católica Apostólica Romana na Irlanda foi feroz, em todos os sentidos (filmes como The Magdalene Sisters (2002) e Philomena (2013) discutem essa ferocidade). Só em 1972 a Constituição da Irlanda retirou (também por referendo popular e por ampla maioria) de seu texto uma cláusula que reconhecia a “posição especial” da Igreja Católica no governo e na governabilidade do país.

Numa Irlanda onde as escolas e os hospitais foram tradicionalmente administrados por ordens religiosas, os resultados do referendo fazem pensar: o país está se movendo no sentido de tirar o poder da Igreja sobre assuntos seculares, sim. Mas o que mais? Encontrei uma resposta plausível em um artigo do periódico The Atlantic. O texto, assinado por Mo Moulton, sugere que os conterrâneos de Wilde podem ter votado por uma rejeição da autoridade da Igreja sobre certos valores morais, mas não votaram contra ideais católicos. Abraçam a causa LGBT e, ao mesmo tempo, os vínculos afetivos da família – não mais a família tradicional. Assim, a Irlanda pode estar sinalizando ao mundo caminhos outros para o próprio catolicismo.

Oscar Wilde e bosie

Oscar Wilde e Bosie

 

Conheça os títulos de Oscar Wilde publicados pela L&PM Editores.

Exposição lança nova luz sobre a vida de Oscar Wilde na prisão Reading

Em 20 de novembro de 1895, seis meses depois de ter sido condenado por atentado ao pudor e homossexualismo – e de ter passado pelos presídios de Pentonville e  Wandsworth -, Oscar Wilde foi transferido para a prisão de Reading, onde recebeu o número de matrícula C.3.3. Foi nessa prisão que, em 7 de julho de 1896, o autor de O retrato de Dorian Gray testemunhou o enforcamento do soldado Charles Thomas Woolridge pelo assassinato de sua esposa, o que o inspirou a escrever “A balada da prisão Reading”. No ano seguinte, iniciaria a obra De profundis, seus escritos de cárcere.

A antiga prisão Reading, onde Oscar Wilde ficou encarcerado por dois anos

A antiga prisão Reading, onde Oscar Wilde ficou encarcerado por dois anos

Mais de um século depois, o professor Peter Stoneley, da Universidade de Reading, remexeu no baú das memórias desta prisão e fez algumas descobertas sobre a vida em Reading no tempo em que lá viveu seu mais célebre detento. Foram achadas fotos, anotações e registros que estão prestes a virar uma exposição.

Entre as descobertas estão imagens de Henry Bushnell, preso que, presume-se, teve um affair com Wilde. O Prof. Stoneley disse que o escritor provavelmente se sentiu “atraído” por ele, mas não há detalhes da relação entre os dois.

Uma das fotos de Bushnell, datada de 1895.

Uma das fotos de Bushnell, datada de 1895

A maioria dos prisioneiros de Reading não foi fotografado mais de uma vez, mas como Bushnell era reincidente, há sete “mugshots” (fotos de fichamento) dele.  Wilde mencionou em uma carta um “rapazinho de olhos escuros” e a conclusão dos pesquisadores é a de que só pode ser Bushnell, um operário e ladrão tão prolífico, ou inepto, que foi preso 21 vezes entre 1892 e 1911 e cuja incapacidade de ficar fora da prisão deixou um legado fascinante. Os sete “mugshots” de Bushnell são as únicas fotografias conhecidas de algum dos homens da classe trabalhadora jovens por quem Wilde se interessou em sua vida.

Mais fotos do "rapazinho de olhos escuros"

Mais fotos do “rapazinho de olhos escuros”

O material encontrado permitiu ainda alguns insights:

· Classe: Oscar Wilde certamente era o único prisioneiro de classe média e formação universitária a estar preso em Reading naquele período. A grande maioria dos seus companheiros eram trabalhadores.

· Crime: Os crimes mais frequentes eram pequenos furtos. Objetos típicos roubados incluem coelhos, camisas, tabaco e botas. O segundo crime mais frequente era embriaguez e desordem.

· Homossexualismo: Até onde os registros mostram, não havia outros prisioneiros em Reading, ao mesmo tempo em que Wilde estava lá, condenados por atos homossexuais. No entanto, nos anos imediatamente anteriores à sua prisão, em 1893, um marinheiro de 27 anos e um trabalhador de 32 anos foram presos em Reading por “indecência com um macho” e, em 1894, um trabalhador de 19 anos foi preso por sodomia.

· Reabilitação: Apesar de suas condições adversas, a prisão Reading, como a maioria das prisões vitorianas, efetivamente tinha uma “porta giratória” para pequenos infratores reincidentes.

· Crianças: Wilde escreveu sobre o fato de ouvir os presos crianças chorando. Nos dois anos imediatamente anteriores à sua chegada, 22 crianças foram presas em Reading, incluindo uma de sete anos de idade, condenada a um mês de prisão por atear fogo em um celeiro, uma de 11 anos que roubou um pincel e uma de 10 anos que matou um pato.

· Saúde: A saúde debilitada de Wilde é narrada a partir de um inquérito 1896, que concluiu que “a vida na prisão deve, claro, ser mais cansativa e desgastante para um prisioneiro de sua educação”.

· Wooldridge: Registros de detalhes da execução de Trooper Charles Wooldridge, o soldado cuja morte constitui o tema de “A balada da prisão Reading” revelam que, antes da execução da sentença, o médico da prisão observou que Wooldridge tinha um pescoço “bastante longo”.

Os registros sobre Woolridge que virou personagem de Wilde

Os registros sobre Woolridge que virou personagem de Wilde

A exposição “The Oscar Wilde and Reading Gaol Exhibition”, organizada pelo Departamento de Literatura Inglesa da Universidade de Reading, acontece na Berkshire Record Office, na cidade de Reading.  Ela abre oficialmente na quarta-feira, 22 de outubro, e permanece até 6 de fevereiro.

Os pesquisadores e seus achados

Os pesquisadores e seus achados