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Baudelaire fecha os olhos

De agora em diante, Baudelaire está preso à cama, enquanto a Sra. Aupick, nada mais podendo fazer pelo filho, volta para sua casa normanda. Os amigos infalíveis, como Nadar Banville, Champfleury e Asselineau, sucedem-se em seu quarto e tentam alegrar seus tristes dias. Apollonie Sabatier, a Presidenta, também vai seguidamente vê-lo e fica longas horas a seu lado.

Quanto a Jeanne…

Ninguém sabe onde ela está, ninguém próximo ao poeta a vê nem de perto nem de longe, nem em Paris nem alhures, pelo menos há um ano.

O tempo passa, inexorável, impiedoso, feroz, sinistro, assustador, e agora Baudelaire só responde com duas ou três palavras, com pausas formuladas em voz trêmula, depois com monossílabos e imperceptíveis movimentos das pálpebras e dos lábios.

Sua mãe acorre da casinha de brinquedo. Ela não larga sua mão. Cerca o filho de cuidados, sentada lacrimosa em uma poltrona de acompanhante; fala com ele baixinho, balbucia, evoca vagas e longínquas lembranças. Espera em silêncio que os anjos passem.

Na sexta-feira, dia 30 de agosto de 1867, ela chama um padre e pede encarecidamente que administre a extrema-unção a seu filho. E ela reza. Ela reza a Deus e aos santos, com as mãos juntas, o olhar úmido.

Na manhã seguinte, por volta das onze horas, quando Baudelaire morre em seus braços e ela fecha os olhos dele para sempre, a Sra. Aupick ainda não sabe que colocou no mundo, 46 anos e quatro meses atrás, um dos grandes mágicos da literatura.

(Trecho final de Baudelaire, de Jean-Baptiste Baronian – Série Biografias L&PM Pocket – disponível também em e-book)

Baudelaire em 1863, quatro anos antes de morrer

Baudelaire em 1863, quatro anos antes de morrer

De Charles Baudelaire, a L&PM publica Paraísos Artificiais – O haxixe, o ópio e o vinho e O Spleen de Paris.

O vinho é como o homem: não se saberá nunca até que ponto podemos estimá-lo ou desprezá-lo, amá-lo ou odiá-lo, nem de quantos atos sublimes ou perversidades monstruosas ele é capaz. Portanto, não sejamos mais cruéis com ele do que com nós mesmos e tratemo-lo como um igual.

Vinho: um dos paraísos de Baudelaire

Profundos prazeres do vinho, quem não os conhece? Quem quer que tenha tido um remorso a aplacar, uma lembrança a evocar, uma dor a esquecer, um castelo na Espanha a construir, todos enfim já o invocaram, deus misterioso escondido nas fibras da videira. Como são grandes os espetáculos do vinho, iluminados pelo sol interior! Como é verdadeira e abrasadora esta segunda juventude que o homem dele retira! Mas como são, também, perigosas suas volúpias fulminantes e seus encantamentos enervantes. E, no entanto, digam, do fundo da alma e da consciência, juizes, legisladores, aristocratas, todos vocês a quem a felicidade torna doces, a quem a fortuna torna a virtude e a saúde fáceis, digam quem de vocês terá a coragem impiedosa de condenaar o homem que bebe o gênio? (Charles Baudelaire em Paraísos artificiais – O haxixe, o ópio e o vinho Coleção L&PM Pocket)

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Baudalaire nasceu em 9 de abril de 1821. Para saber mais sobre a vida desse que é reconhecido por muitos como o fundador da tradição moderna da poesia, leia Baudelaire, de Jean-Baptiste Baronian, Série Biografias L&PM.

O nascimento de Baudelaire

É um estranho casal que dá à luz Charles Baudelaire, em 9 de abril de 1821. (…) Um pai velho, então com 62 anos, e uma mãe ainda jovem, com 34 anos menos que seu marido. Um pai marcado pelos faustos indolentes de uma época passada e uma mãe que descobre, de um dia para o outro, o amor carnal e, ao mesmo tempo, os caprichos de um velho. Um pai um tanto diletante, preso entre os requintes dos salões mundanos do século XVIII e a gravidade dos gabinetes administrativos, e uma mãe tímida, crédula, temerosa, para quem a maternidade é como um dom do céu, uma espécie de milagre, e o parto, uma revanche contra as adversidades. Um pai idoso que tem amigos idosos e uma mãe na flor da idade que, por sua vez, não tem amigos, a não ser um dos quatro filhos de seu tutor. Esse incrível contraste é percebido pelo pequeno Charles muito cedo, muito rápido. Na sua casa, na Rue Hautefeuille, tudo é antiquado, e aqueles que ele vê ir e vir e com os quais seu pai conversa ou vai ao teatro são todos velhos. Velhos caquéticos. Velhotes. Vovozinhos. Quando ele vai brincar no Jardin du Luxembourg, a dois passos de casa, ele vê que seu pai encontra mais velhotes, seus antigos colegas do Senado, companhias senis e quase decrépitas. Esse não é apenas um mundo velho, mas também um mundo que exala um cheiro de velho – odores terríveis, nauseabundos, repugnantes, pútridos, “florações na natureza”, “lodo repelente”, que ele não consegue deixar de registrar, de armazenar no fundo do seu ser.”

O trecho acima é parte do primeiro capítulo de “Baudelaire“, livro de Jean-Baptiste Baronian (Série Biografias L&PM). Uma das personalidades mais contraditórias da história da literatura, Baudelaire inovou em sua poesia e em sua abordagem da arte e da música. Feroz defensor da liberdade de costumes, teve uma vida ao mesmo tempo luxuosa e miserável, dissoluta e magnífica, deplorável e deslumbrante. Considerado um pária genial, entrou para a história com textos como “Todas as belezas contêm, assim como todos os fenômenos possíveis, algo de eterno e algo de transitório, de absoluto e de particular. A beleza absoluta e eterna inexiste, ou melhor, é apenas uma abstração empobrecida na superfície geral das diferentes belezas. O elemento particular de cada beleza vem das paixões, e como temos nossas paixões particulares, temos nossa beleza particular.”

Baudelaire em 1855

De autoria de Baudelaire, a Coleção L&PM Pocket publica “Paraísos Artificiais – O haxixe, o ópio e o vinho“.

50. Quando a L&PM foi parar no “Olho da Rua”

Em outubro, como já anunciado, a Série “Era uma vez… uma editora” ficou um pouco diferente. Este mês, como o editor Ivan Pinheiro Machado* estava na Feira de Frankfurt, ficou decidido que os posts seriam dedicados a livros que deixaram saudades. Hoje, no entanto, no lugar de um título, resolvemos falar de uma coleção inteira. A ideia de contar a história da Coleção “Olho da Rua” surgiu de uma conversa com o escritor Eduardo Bueno (que alguns chamam de Peninha) que, nos anos 80, criou esta série de livros marginais, como ele mesmo definiu.

A Coleção “Olho da Rua” começou quando Eduardo convidou Antonio Bivar para (re)publicar o seu livro Verdes Vales do Fim do Mundo, que já estava há tempo fora de catálogo. Bivar era co-tradutor, junto com Bueno, da primeira versão da tradução de On the Road. O plano era, a partir deste livro, dar início a uma versão brasileira da Coleção “Rebeldes e Malditos”, criada por Ivan Pinheiro Machado e que, em 1984, já publicava, entre outros, Cartas a Théo de Van Gogh, De Profundis, de Oscar Wilde, Paraísos Artificiais, de Charles de Baudelaire e A correspondência de Arthur Rimbaud.

A edição de "Verdes Vales do Fim do Mundo" de 1984, depois relançada na Coleção L&PM POCKET

“A seguir, convidei Jorge Mautner, Roberto Piva, Pepe Escobar, Reinaldo Moraes e outros malucos para se juntarem ao bando. Precisávamos de um nome para a coleção, que soasse rebelde e maldito o suficiente. Da conversa com o Bivar surgiu o nome “Olho da Rua”, já que vários deles tinham a vivência plena das calçadas e das sarjetas, nunca foram de circular muito pelas avenidas principais e já haviam sido orgulhosamente postos no olho da rua várias vezes. Além de tudo, o “olhar” deles era o olhar típico dos escritores que não produziam seus livros “de pantufas no gabinete, com a lareira acesa e um gato ronronando”. Aí, eu e Ivan achamos o nome não apenas adequado como ótimo. E a coleção saiu. Ela era quase uma “resposta” à Cantadas Literárias, lançada pouco antes pela editora Brasiliense. Resposta não é bem o caso: era complementar a ela e seguia a tendência de editar “marginais”, que a L&PM já fazia tanto na “Rebeldes e Malditos” como na Coleção “Alma Beat”. Era o inicio dos anos 80, o país vivia grande efervescência, todo mundo ansiava pela abertura e pela volta das “liberdades democráticas” e então a “Olho da Rua” veio para resgatar textos já publicados e/ou censurados e também livros inéditos (como “Speedball” de Pepe Escobar e “Abacaxi”, de Reinaldo Moraes).” Conta Eduardo Bueno.

A “Olho da Rua” acabou não ficando só nos brasileiros. Foi nela que, pela primeira vez, Sam Shepard foi publicado no Brasil com o livro Louco para Amar. E também Gasolina e Lady Vestal, de Gregory Corso, De repente, acidentes de Carl Solomon, 7 Dias na Nicarágua Libre, de Lawrence Ferlinghetti, A queda da América, de Allen Ginsberg, Luna Caliente de Mempo Giardinelli e Isadora – fragmentos autobiográficos, de Isadora Duncan.

Alguns dos livros que inicialmente sairam na “Olho da Rua” acabaram sendo relançados na Coleção L&PM POCKET. Como Verdes Vales do Fim do Mundo, por exemplo.

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quinquagésimo post da Série “Era uma vez… uma editora“.