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Arma usada por Verlaine para atirar em Rimbaud é leiloada

A arma mais famosa da literatura francesa, o revólver com o qual o poeta Paul Verlaine tentou matar seu amante, o também escritor Arthur Rimbaud, em 1873, em Bruxelas, foi arrematado por 434.500 euros nesta quarta-feira, 30 de novembro, em Paris, na casa de leilões Christie’s. A pistola, uma Lefaucheux de seis tiros, calibre sete milímetros e coronha de madeira, estava avaliada entre 50 e 60 mil euros.

“O revólver encontrou um comprador por 434.500 euros, gastos inclusos”, informou o encarregado em comunicação da Christie’s.

A arma com a qual Verlaine atirou em Rimbaud

A arma com a qual Verlaine atirou em Rimbaud

Na biografia de Rimbaud, escrita por Jean-Baptiste Baronian, e publicada na Coleção L&PM Pocket, o autor descreve todos os passos da história que envolve essa pistola e os tiros que aconteceram em um hotel onde estava também a mãe de Verlaine . Colocamos aqui alguns trechos:

Por volta do meio-dia, Verlaine entra de súbito no quarto. Parece nervoso. Evidentemente andou bebendo. Sem mais preâmbulos, tira do bolso uma pistola protegida por um estojo de couro envernizado e mostra-a com orgulho a Rimbaud. Trata-se, declara, de um revólver de excelente qualidade, um sete milímetros com seis balas. Mostra também uma caixa com cinquenta cartuchos. Enquanto isso, leva Rimbaud para almoçar na Maison des Braeurs, na Grand-Place.

(…)

Quando Rimbaud e Verlaine voltam para o hotel, uma hora e meia depois, é mais uma vez para brigar. O mesmo triste e lamentável refrão, que Rimbaud interrompe bruscamente. Como se tivesse sido ferido em seu amor-próprio, ele se precipita para o quarto da sra. Verlaine e exige dela vinte francos: o preço de uma passagem de trem de terceira classe de Bruxelas para Paris. (…) Verlaine agarra Rimbaud pelos ombros e empurra-o de volta para o quarto deles, que tranca a chave.

(…)

A reação de Verlaine é insensata: ele agarra sua pistola, uma rivolvita, segundo o termo que utiliza, e atira duas vezes em Rimbe. A primeira bala o acerta no antebraço esquerdo. A segunda passa de raspão e acaba no assoalho. Após soltar gemidos de dor, Rimbaud desmorona junto ao pé da cama. Ele segura o pulso, de onde jorra sangue, se retorce e, com uma voz suplicante, pede socorro. Percebe então confusamente que estão batendo na porta com toda a força. No minuto seguinte, vê a sra. Verlaine inclinando-se sobre ele e examinando seu braço. Ela assegura que o ferimento não é grave, mas que seria bom ser examinado por um médico.

Verlaine e Rimbaud

Verlaine e Rimbaud

Verlaine acabaria condenado a dois anos de prisão. Já a arma, foi retida pela polícia reteve e depois devolvida à loja de armas Montigny. Quando o estabelecimento fechou, em 1981, o revólver foi cedido a Jacques Ruth, um oficial de justiça belga, amante de armas.

O revólver ficou guardado em um armário até o começo dos anos 2000, quando Jacques Ruth assistiu a um filme sobre o romance entre Rimbaud e Verlaine, “Eclipse de uma paixão”, com Leonardo DiCaprio. Foi quando ele percebeu que possuía uma relíquia.

Ruth entrou em contato com um conservador da Biblioteca Real da Bélgica, Bernard Bousmanne, que foi curador de uma exposição dedicada a Rimbaud em 2004, em Bruxelas. “Pensei que fosse uma brincadeira. Mas todos os elementos coincidiam – o modelo, a data e o local de fabricação. Solicitamos, inclusive, análises balísticas à Escola Militar de Bruxelas. Foram definitivos”, disse Bousmanne a meios de comunicação belgas.

O conservador foi curador de outra mostra dedicada a Verlaine em 2015 em Mons, onde a arma foi exibida pela primeira vez ao público. A cidade natal de Rimbaud, Charleville-Mézières (nordeste da França), lançou uma subscrição pública para tentar adquirir o revólver e, assim, enriquecer a coleção do museu dedicado ao poeta. Mas quem arrematou a arma histórica acabou sendo um comprador de nacionalidade que fez seus lances por telefone. Um desconhecido milionário, ao que tudo indica.

A L&PM publica Uma temporada no inferno seguido de Correspondência, incluindo três textos inéditos no Brasil de Paul Verlaine: dois prefácios e uma crônica biográfica sobre Rimbaud, fragmentos que mostram uma profunda admiração estética pela poesia de Rimbaud, que Verlaine qualificava como “perfeita” e “genial”.

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Rimbaud: o enigma de um drama

A visão que o mundo tem de Rimbaud é um caleidoscópio. Ela muda de cor, de forma, se transforma e nunca é definitiva. Não é concreta, não é real. A lenda tomou conta da biografia e o mito soterrou o homem. Os poemas são poderosos fragmentos biográficos, embora eles não concluam, não desenhem um Rimbaud preciso. Seus delírios, suas alucinações, suas iluminações e temporadas no inferno, às vezes indicam traços do poeta. Mas a poesia acabou quando ele estava saindo da adolescência, aos 19 anos. Aí começa a saga mítica-rimbaldiana que não deixou versos, mas quase se sobrepõe ao poeta.  Porque se tem indícios, mas na verdade, se sabe muito pouco. Seu périplo africano já foi objeto de milhares de livros. Sua fuga para o nada. De que fugia o poeta? Tudo é mistério, vestígios vagos, traços, aquarelas esmaecidas, retratos imprecisos. Enfim, cada um tem o “seu” Rimbaud. Jack Kerouac, Gide, Alain Borer, Proust, Verlaine, Charles Nichol, Allen Ginsberg, Henry Miller etc. etc. Jean Nicholas Arthur Rimbaud nasceu em 20 de outubro de 1854 e morreu de câncer em 10 de novembro de 1891, aos 37 anos, em Marselha. No entanto, no seu dramático final, tinha a cabeça de um velho ranzinza e a alma torturada pelo martírio escaldante na África Oriental. Mutilado pela doença, martirizava-se nas profundezas do inverno que ele criou para si mesmo. Seu gênio, seus versos magníficos ficaram para trás. Sobrou apenas o sofrimento, a amargura. E nunca ninguém conseguiu explicar precisamente por quê. (Ivan Pinheiro Machado)

Rimbaud antes: desenho à lápis feito por Paul Verlaine em seu caderno de notas

Rimbaud depois: retratado por sua irmã Isabelle nos seus últimos dias de vida

 Leia mais sobre o poeta “maldito” em Rimbaud, série biografias.

Rimbaud: o mito maior do que a obra?

Jean-Nicholas Arthur Rimbaud até hoje mexe com o imaginário das pessoas que (não) conhecem a sua vida. Poeta adolescente, ele construiu sua obra entre os 15 e os 20 anos. Uma obra pequena, porém poderosa, onde o poeta se alinha entre os movimentos de vanguarda da época como o simbolismo e o parnasianismo. Anos depois de sua morte, aos 37 anos em 1891, foi considerado como uma das principais influências do surrealismo. Na verdade, Rimbaud compôs dois grandes poemas, “Iluminações” e “Uma temporada no Inferno” e mais algumas dezenas de poemas longos e curtos, entre os quais destaca-se o célebre “Bateau Îvre” (O barco bêbado). E foi só.

Mesmo porque ele abandonou a literatura aos 20 anos, tendo iniciado uma sequência de fugas, desaparecimentos e surgimentos que até hoje causam dor de cabeça nos seus fãs fanáticos e biógrafos. Arthur Rimbaud é como a expressão que Lilian Hellman consagrou; uma espécie de “pentimento”, um retrato que surge e se esvai, deixando somente um vulto. O menino genial que, aos 14 anos, venceu o concurso de poesias em latim na escola, concorrendo contra os alunos “grandes” do último ano do segundo grau, deixou sua marca na arte e na lenda. E talvez a sua marca mais poderosa tenha sido deixada justamente na lenda.

Sua vida de fugas e rebeldia começou aos quatorze anos, para desespero da viúva Vitalie Cuif uma conservadora senhora da região das Ardenas, onde ficava a provinciana Charleville, cidade natal do poeta. Entre idas e vindas à Paris, participou (apesar de serem frágeis os indícios)  da Comuna em 1871, frequentou os bares do Quartier Latin, promoveu dezenas de escândalos e conheceu o já grande poeta Paul Verlaine que tornou-se seu protetor. A amizade entre o grande poeta e o jovem aspirante a poeta tranformou-se rapidamente num caso de amor. Um tumultuado “affaire” que terminou (mal) em Bruxelas, quando Verlaine, numa crise de ciúmes, deu um tiro que acerta a mão de Rimbaud. Isto em 1873. Solidário com Verlaine que amargará dois anos nas masmorras belgas, o mundo intelectual parisiense abandona o incoveniente garoto de olhos azuis. E a partir daí os traços de Rimbaud começam a ser difusos, ocasionais, surgem e se perdem. Nunca mais pratica ou fala de poesia ou literatura. Anda pela Itália, pela Alemanha, Londres, Cidade do Cabo, trabalha num circo em Estocolmo, atravessa os Alpes a pé, alista-se no exército colonial das Índias Holandesas, deserta, vai trabalhar numa construtora no Chipre, adquire uma febre tifóide, é expulso de Chipre e segue de navio pelo Mar Vermelho e vai dar em Aden e de lá, empregado por uma empresa de comércio francesa, vai para Harar na Abissínia (hoje Etiópia). Aí, os registro são mais raros e esparsos. O que se sabe é pelas 80 cartas que mandou em 10 anos para os seus familiares. Ou de citações em correspondências alheias. Em 1880, são muito poucos os europeus naquele canto distante e infernal do planeta. E de lá, Rimbaud só sai para morrer de câncer na perna, em Marselha. Os registros escassos dizem e se contradizem; Rimbaud traficante de armas, Rimbaud traficante de escravos (nunca se provou, mas foi dito várias vezes), Rimbaud no Egito, atravessando desertos à frente de uma centena de camelos, enfrentando bandidos, tribos hostis, reis africanos, com quilos de moedas de ouro ocultas em sua cintura, etc., etc.

Nesta biografia de Rimbaud que a coleção L&PM POCKET acaba de lançar, Jean-Baptiste Baronian faz um trabalho brilhante de garimpo de informações, de construção de um perfil e de compilação de fatos provados e de especulações sem documentação. E o fascinante para o leitor é que destas páginas emerge, com toda a força do mito Rimbaud, aquela que é considerada uma das maiores e mais enigmáticas aventuras poéticas de todos os tempos (Ivan Pinheiro Machado).

Rimbaud: mais do que uma vida, uma saga