Folha de S. Paulo – 21/11/2013 – Por Márcio Falcão, de Brasília
O Congresso Nacional aprovou na madrugada desta quinta-feira (21) um projeto que anula a sessão realizada pela Casa no dia 2 de abril de 1964, que declarou vaga a Presidência da República exercida na época pelo presidente João Goulart, o Jango (1919-1976), viabilizando o reconhecimento do novo governo militar (1964-1985).
Deputados e senadores vão fazer uma cerimônia para proclamar a nulidade da sessão. A proposta foi apresentada pelos senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AL).
A sessão do Congresso de 1964 foi realizada de madrugada e, por decisão do então presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, a vacância foi declarada. No pedido, os dois senadores afirmam que a anulação faz um “resgate histórico” porque a vacância permitiu o golpe militar de 1964, embora Jango estivesse em Porto Alegre (RS) em solo brasileiro. A ideia, de acordo com os parlamentares, seria retirar qualquer “ar de legalidade” do golpe militar de 1964.
“Fica claro que o ato do Presidente do Congresso Nacional, além de sabidamente inconstitucional, serviu para dar ao golpe ares de legitimidade”, afirmam os senadores na justificativa do projeto. Simon e Randolfe afirmaram que, depois de 49 anos da sessão, o Congresso “repudia de forma veemente a importante contribuição ao golpe dada pelo então presidente do Legislativo”.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que o Congresso estava reparando essa mancha na história do Brasil. “É uma desculpa histórica”.
Em discurso, Simon disse que a proposta não pretende reescrever os fastos. “Não vamos reconstituir os fatos. A história apenas vai dizer que, naquele dia, o presidente do Congresso usurpou a vontade popular de maneira estúpida e ridícula, depondo o presidente da República”, disse.
Um dos principais defensores da ditadura militar, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) foi voz praticamente isolada contra a medida e disse que a proposta era irregular pois estavam querendo”tocar fogo” no Diário do Congresso Nacional. “Querem apagar um fato histórico de modo infantil. Isso é mais do que stalinismo, quando se apagavam fotografias, querem apagar o Diário do Congresso”.
A votação foi acompanhada por João Vicente Goulart, filho do ex-presidente. O texto foi aprovado aos gritos de “Viva o Brasil”, “Viva democracia” e “Viva Jango”.
Com o objetivo de verificar as causas da morte de Jango, o corpo do ex-presidente foi exumado, na semana passada, no cemitério da cidade gaúcha de São Borja, na fronteira com a Argentina. A família e o governo suspeitam que Jango teria sido envenenado durante seu exílio na Argentina. Na época, não houve autópsia. De São Borja, os restos mortais foram trazidos a Brasília e recebido com honras de chefe de Estado pela presidente Dilma Rousseff.
A perícia será feita no DF e amostras serão enviadas para análise em laboratórios no exterior. A intenção é voltar a homenageá-lo novamente em 6 de dezembro, dia em que a morte completará 37 anos e o corpo deverá voltar a São Borja (a 581 km de Porto Alegre), na fronteira com a Argentina.
Para saber o que aconteceu com Jango depois que ele foi afastado da presidência, em 1964, leia Jango, a vida e a morte no exílio, de Juremir Machado da Silva.