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A poeta portuguesa que nasceu, casou e morreu no mesmo dia

Florbela Espanca, com dezenove anos, ao lado do primeiro marido

Florbela Espanca era lírica até no nome. Flertou com a morte em seus poemas, explicitou sua sedutora angústia em versos, consagrou-se postumamente como uma das maiores poetas de língua portuguesa. Em sua biografia, o dia 8 de dezembro aparece três vezes, formando um triângulo de nascimento, amor e morte. Em 8 de dezembro de 1894, Florbela veio ao mundo no Alentejo, em Portugal. Em 8 de dezembro de 1913, a jovem Florbela casou-se pela primeira vez. Em 8 de dezembro de 1930, Florbela optou por dormir e não mais acordar. Apesar de ser amplamente divulgado que seu suicídio foi planejado, essa afirmação ainda gera controvérsias. O sonífero Veronal, que ela tomava diariamente, era perigoso para quem tinha problemas pulmonares e cardíacos, como era seu caso. Associado ao cigarro, que ela fumava sem parar, a situação poderia se agravar. No entanto, a hipótese de premeditação é a mais aceita porque, ao ser encontrada já sem vida em seu quarto, havia sob a cama dois frascos de Veronal completamente vazios. Para completar, poucos dias antes de morrer, “Bela”, como era conhecida, confessou a uma amiga de infância que, se passasse do dia do seu aniversário, morreria velha. O que não aconteceu. Florbela foi-se jovem, com apenas 36 anos. Em seus poemas, deixou claro que a morte era muito mais do que o fim: era a libertação do sofrimento, era um passaporte para o infinito, era a forma de reencontrar o irmão, Apeles, que morrera em um acidente aéreo. Foi após a morte do irmão, aliás, que sua melancolia latejou de forma ainda mais intensa.

 

À MORTE

Morte, minha Senhora Dona Morte,

Tão bom que deve ser o teu abraço!

Lânguido e doce como um doce laço

E como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte

Tua mão que nos guia passo a passo,

Em ti, dentro de ti, no teu regaço

Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte dos dedos de veludo,

Fecha-me os olhos que já viram tudo!

Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da Moirama, sou filha de rei,

Má fada me encantou e aqui fiquei

À tua espera,… quebra-me o encanto!

Em seus poemas e sonetos, Florbela Espanca não explora somente  a morte, mas também o amor e todas as sensações que regem a vida. A L&PM publica, na Coleção L&PM POCKET, todos os seus poemas em dois volumes.

Um poema (sem rimas) de Fernando Pessoa

Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo
                            [de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior

Olho e comovo-me,
Comovo-me como a água que corre quando
                             [o chão é inclinado,
E minha poesia é natural como
                             [o levantar-se vento…

(De Poemas de Alberto Caeiro, Fernando Pessoa – Coleção L&PM Pocket)

Fernando Pessoafoto

Florbela Espanca nos cinemas portugueses

Em março deste ano, estreou nos cinemas portugueses o filme “Florbela”, cujo nome já revela quem é seu personagem principal. Ela, a maior poeta portuguesa, Florbela Espanca. Com versos cheios de erotismo e intimidade, Florbela escandalizou a sociedade do início do século XX. E fez isso não só com sua poesia, mas também pela forma como viveu: com sucessivos casamentos e divórcios, sua maneira ousada de vestir e sua personalidade “forte”.

O filme é centrado numa Portugal atordoada pelo fim da I República, quando Florbela (vivida pela atriz Dalila Carmo) separa-se de forma violenta de António. Ela então apaixona-se por Mário Lage (Albano Jerónimo) e refugia-se num novo casamento para encontrar estabilidade e escrever, mas a vida de esposa na província não parece combinar com sua alma inquieta. Florbela não consegue escrever, nem amar. Ao receber uma carta do irmão Apeles, oficial da Aviação Naval e de licença em Lisboa, corre em busca de inspiração perto da elite literária que fervilha na capital. Na cumplicidade do irmão aviador, a escritora procura um sopro em cada esquina: amantes, revoltas populares, festas de foxtrot… O marido tenta resgatá-la para o que considera a “normalidade”, mas como dar norte a quem tem sede de infinito? Entre a realidade e o sonho, os poemas surgem quando o tempo pára. Nesse imaginário febril de Florbela, neva dentro de casa, esvoaçam folhas na sala, panteras ganham vida e apenas os seus poemas a mantém sã. Por isso, Florbela tem que escrever…

A Coleção L&PM Pocket publica a obra completa de Florbela Espanca em dois volumes.

Poemeu
Mar de Ipanema

Porque o mar em frente espuma
de alegria
É com alegria que olho o mar
de espumas
Escrevendo poemas ecológicos
À glória do sol, do ar,
do azul.

Lá mais longe, liso,
O mar-espelho espelha o céu
Ou este reflete aquele,
Numa tranquilidade que é
a minha
Ou minha tranquilidade a dele.
Tantos anos depois
O mar continua brincando
de paraíso
Em minha porta.

De Poemas, Millôr Fernandes

Jardim de verão

Quero ver as rosas neste jardim único
onde uma grade se ergue sem igual,

onde as estátuas me recordam jovem
e delas me lembro sob as águas do Nevá.

Das tílias no silêncio perfumado
imagino o rangido dos mastros dos navios,

e o cisne, como antes, vaga através dos séculos,
admirando o esplendor de sua imagem.

Lá, para sempre, os passos se calaram,
amados, odiados, odiados ou amados.

E o desfilar das sombras não tem fim,
do vaso de granito ao portal do palácio.

Lá minhas noites em claro murmuram bem baixinho
cantando um amor secreto, misterioso.

Jade e madrepérola em tudo se irradiam,
mas a secreta fonte de luz fica escondida.

 Da Antologia Poética de Anna Akhmátova

Aterrorizado
pelo som da minha própria voz
e pela sonoridade dos pássaros
cantarolando em fios ardentes
numa quietude de domingo vi a mim mesmo
trucidando inúmeros pecadores e perus
cães barulhentos com pontudas tetas mortas
e cavaleiros negros em armaduras
com rótulos Brooks
e calças com cadeados Yale
Sim
e com pênis erectus como lança
perfurei velhas damas
rejuvenescendo-as
num espasmo de minha espantosa espada
retrocedendo-as à virgindade
capuzes e cabeças
oh sim
adormecida hipocrisia encapuçada

prosseguimos conquistando tudo
mas enquanto isso
o tempo padrão real segue em frente
e novos bebês engarrafados com dentes reais
devoram nosso fantástico
futuro fictício.

(De Um parque de diversões na cabeça, Lawrence Ferlinghetti, poema traduzido por Eduardo Bueno)

O “Dia Mundial da Poesia” e das flores

O Dia Mundial da Poesia é também o primeiro dia da primavera no hemisfério norte. “O tempo da flor” – como é conhecida a estação mais colorida do ano – é perfeito para localizar a poesia amorosa. Já no século XI, na França, os poetas obedeciam estritamente à convenção de guardar suas odes amorosas para esta época do ano. Em língua portuguesa, há registros desta tradição deixados pelo rei-poeta D. Denis, que viveu no século XIII. Num diálogo entre duas jovens, uma delas apela para as flores novas de um pinheiro para saber notícias de seu amado.

A escolha do dia 21 de março como o Dia Mundial da Poesia não é, portanto, mera coincidência. Na obra da poeta portuguesa Florbela Espanca – que tem flor até no nome! – as flores são presença constante, como no soneto “Crisântemos”:

Sombrios mensageiros das violetas,
De longas e revoltas cabeleiras;
Brancos, sois o casto olhar das virgens
Pálidas que ao luar, sonham nas eiras.

Vermelhos, gargalhadas triunfantes,
Lábios quentes de sonhos e desejos,
Carícias sensuais d´amor e gozo;
Crisântemos de sangue, vós sois beijos!

Os amarelos riem amarguras,
Os roxos dizem prantos e torturas,
Há-os também cor de fogo, sensuais…

Eu amo os crisântemos misteriosos
Por serem lindos, tristes e mimosos,
Por ser a flor de que tu gostas mais!

Fernando Pessoa também canta as flores em seus poemas, sob o pseudônimo de Álvaro de Campos:

Dá-me lírios, lírios,
E rosas também.
Mas se não tem lírios
Nem rosas a dar-me,

Tem vontade ao menos
De me dar os lírios
E também as rosas.
Basta-me a vontade,
Que tens, se a tiveres,
De me dar os lírios
E as rosas também,
E terei os lírios –

Os melhores lírios –
E as melhores rosas
Sem receber nada,
A não ser a prenda
Da tua vontade
De me dares lírios
E rosas também.

Enquanto os poetas do lado de lá do globo gozam a chegada da primavera, do lado de cá, damos as boas vindas ao outono. Pablo Neruda, poeta chileno, faz as honras da estação em seu Livro das perguntas:

XLVII

Ouves em meio do outono
detonações amarelas

Por que razão ou sem razão
chora a chuva sua alegria?

Que pássaros ditam a ordem
da bandada quando voa?

De que suspende o beija-flor
sua simetria deslumbrante?

XLVIII

São os seus das sereias
os redondos caracóis?

Ou são ondas petrificadas
ou jogo imóvel de espuma?

Não se incendiou a pradaria
com os vagalumes selvagens?

Os cabeleireiros do outono
despentearam os crisântemos?

Quem é Dorian Gray?

Paula Taitelbaum

Dorian Gray é Narciso, Dionísio e Drácula.
O ego, o amor cego, o apego à imagem.
Dorian Gray é gótico, plástico, estético.
É o olhar da medusa: irônico, platônico.
Dorian Gray é botox, lifting, laser.
Um eterno retrato do mundo.
Dorian Gray é um espelhado lago profundo.
Dorian Cinza, Dorian Fênix, Dorian Gay.
É, de Oscar Wilde, o que há de mais genial.
Para sempre, imortal.

O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, foi reeditado recentemente pela L&PM.

Paris tem mania de Rimbaud

Por Paula Taitelbaum

Rimbaud é pop. E em Paris está mais na moda do que nunca. O belo rosto do poeta que cantou o inferno estampa lambretas, camisetas, vitrines de livrarias e, até o dia 1º de outubro, é exibido na exposição RIMBAUDMANIA. Em cartaz na “Galeria des Bibliothéques, Ville de Paris”, a mostra pode ser vista a partir de uma singela entrada de quatro euros que permite um passeio pelos manuscritos originais do autor, fotos, desenhos, capas de livros e muita memorabília. “O que é este mistério e como ele se tornou tão grande? Por que sua imagem consegue se renovar a cada geração? Rimbaud viveu todas as nossas tristezas, nossos fracassos, nossos sonhos? O que é esse sol que nele brilha e que tanto nos atrai? Será que o que mais nos intriga é o fato de ter escrito tão bem ou ter parado de escrever tão cedo? Ou será que é sua imagem que faz com que o acolhamos como uma espécie de irmão? Não há nenhuma resposta objetiva. Arthur Rimbaud manterá para sempre o seu enigma. RIMBAUDMANIA narra o advento dos heróis da mitologia moderna, e torna tangível a extensão desse mito. Rimbaud sobrevive graças à esperança e à fé na capacidade do homem para ‘mudar a vida'”, diz o texto de apresentação do curador Claude Jeancolas que está no site oficial da mostra. É lá também que você poderá saber mais detalhes e assistir um vídeo sobre a exposição. As fotos abaixo foram tiradas recentemente nas ruas de Paris.

 De Rimbaud, a Coleção L&PM Pocket publicou Uma temporada no inferno. Leia mais sobre o poeta no post Arthur Rimbaud: a tragédia, o charme e o mito.

Versos para esquentar

Aproveitando que a Paula ainda não voltou para o Brasil e, portanto, não vai nos dizer que seus poemas não devem ser publicados por aqui pelo risco de censura dos mais puritanos (ou por uma vergonhazinha de que pareça auto-promoção), vamos a dica de hoje para o dia dos namorados.

Ok que a data é romântica e o que mais se vê pelas ruas são rosas vermelhas, corações e bichos de pelúcia. Mas que tal usar os versos da nossa poeta ‘inspiradora’ para aquecer a noite do dia 12 (e todas as outras também)?

O PornoPopPocket reúne poemas, como sugere o nome, eróticos. Mas não se preocupem, ainda somos um blog de família: selecionamos os versos mais sutis. O resto é por conta da imaginação.

Eu gosto quando você
coloca as mãos atrás
da minha cabeça
e me puxa com pressa
pra dentro da sua boca
eu gosto como louca
de ter seus lábios grudados
de um jeito sôfrego
que sangra
e me tira o fôlego
eu gosto de te sorver
aos goles e fingir
que nossas línguas
são siamesas
gosto de beijos
com gosto de insensatez
e incerteza.

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Você já foi um estranho
tateando na escuridão
das minhas entranhas
você enfrentou o breu
e hoje conhece os caminhos
muito melhor do que eu