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54. Andy Warhol, o retorno

Por Ivan Pinheiro Machado*

No post numero 22 destes relatos memorialísticos sobre a história da L&PM Editores, contei a história de um grande fracasso de vendas, os “Diários de Andy Wahrol”, edição de Pat Hackett, lançado em 1989. O investimento foi de, na moeda de hoje, cerca de 70 mil dólares. Era um livro enorme, 1.000 páginas no formato 23 cm x 16 cm. Só a tradução custou 30 mil dólares (1.500 laudas)… E o preço para o público, convertido para o dinheiro de hoje, ficou em R$ 120,00. Mais da metade da tiragem encalhou e os livros remanescentes  acabaram, meses depois, fazendo a festa dos leitores nos balaios de saldos das principais feiras de livro do país. Tudo isto, em 1989.

Pois em setembro de 2011, a L&PM decidiu recomprar os direitos e FAZER DE NOVO os diários de Andy Warhol. O leitor, agora ciente dos prejuízos que este livro causou no passado, perguntará perplexo: “Vocês enlouqueceram?!”

Pode ser. Tudo começou neste ano, quando decidimos lançar a excelente biografia de Andy Warhol em nossa “Série Biografias” (com previsão para chegar em dezembro), que publicaremos em colaboração com a respeitadíssima editora francesa Gallimard. No embalo da biografia, surgiu a possibilidade de editarmos o livro “America” de Andy Warhol. Foi aí que começamos a discutir a questão dos “Diários”. Que tal republicá-los?

Inclusive me propus a fazer uma “edição” dos livros, “limando” as passagens sem importância e deixando só o substancial. Para que ficasse mais barato e prático. Propusemos ao agente literário encarregado do espólio, reeditar o livro com a metade das páginas. Depois de muitas idas e vindas, os agentes americanos toparam. Foi então que eu iniciei a tarefa de cortar 50% dos diários. Nas primeiras 10 páginas, eu havia deletado no máximo metade de… UMA página. Prossegui, li, li de novo e lá pela página 300 eu cheguei à conclusão de que seria um crime cortar um dia sequer, uma linha que fosse daquele diário.

Como editor, eu deveria publicar na íntegra ou não publicar. O livro não ficara “melhor” do que em 1989, mas me dei conta de que havia uma razão maior que trazia uma nova dimensão aos “Diários”: o passar do tempo. Passados 22 anos da publicação e 25 anos da morte de Andy Warhol, aumentou radicalmente a importância dele e de muitos personagens que frequentam os suas páginas. Por exemplo, o grande cult da chamada “arte de rua” Jean Michel Basquiat, morto em 1988, aos 28 anos, um ano após a morte de Andy Warhol, é mencionado inúmeras vezes, pois foi uma descoberta do criador do Pop. Ele diz em 4 de outubro de 1982: “O Basquiat é o garoto que usava o nome de ‘Samo’ quando sentava na calçada do Greenwich Village e pintava camisetas, e de vez em quando eu dava 10 dólares para ele e mandava ao Serendipity para tentar vendê-las. Era apenas um daqueles garotos que me enlouqueciam. É negro, mas algumas pessoas dizem que é porto-riquenho, aí sei lá. (…)” Enfim, são centenas de pessoas do show business, das artes, da realeza européia, do rock and roll, do punk rock, da literatura, moda, imprensa, teatro, cultura underground, jet set em geral, milionários, drogados famosos, enfim, gente que superou a sua previsão de que “um dia todos vão ter pelo menos 15 minutos de fama”.

25 anos depois, este livro se tornou história. Uma fonte de referência para se entender as décadas do fim do século XX, a cultura da celebridade, a contra-cultura novaiorquina da época, a estética do Pop, o cinema underground e conhecer os registros praticamente diários desta grande aventura da última jornada verdadeiramente de vanguarda da arte moderna. Até as frivolidades que permeiam em abundância este livro adquirem agora um significado histórico. É Nova York pré-11 de setembro. A grande Meca da modernidade, cujos sonhos transgressores e vanguardistas derreteram junto com as torres gêmeas.

Por isso e muito mais nós decidimos encarar o desafio. Mas desta vez “Os diários de Andy Warhol” serão editados na coleção L&PM POCKET em dois volumes de 600 páginas cada um. O primeiro vai de 1976 até 1981 e o segundo, de 1982 até 1987.

O preço dos dois volumes juntos será, pelo menos, a metade do que custava a fracassada versão de 22 anos atrás. Assim, eu considero respondida a pergunta do leitor perplexo. Acho que ainda não enlouquecemos. Pelo menos não por enquanto.

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quinquagésimo quarto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

22. A história do fracasso de Andy Warhol… na L&PM

Por Ivan Pinheiro Machado*

Era o final de 1987 e  ainda ecoava no mundo Pop as lamentações pela morte de Andy Warhol. Um suposto erro médico, numa banal cirurgia de vesícula em fevereiro daquele ano, tinha tirado a vida do inventor da Pop Art. Europa e Estados Unidos preparavam retrospectivas de sua obra gráfica e cinematográfica. Tudo ao som de Lou Read e seu “Velvet Underground”, descobertas de Warhol.

Foi neste clima profundamente andywarhoniano que, na Feira de Frankfurt de 1987, 8 meses depois de sua morte, um agente literário ofereceu a mim e ao Paulo Lima os famosos “Diários de Andy Warhol”, um enorme calhamaço recheado de mexericos e fofocas novaiorquinas do uper jet set com aproximadamente 800 páginas que sairia no início de 1988 no Estados Unidos. É claro que nos interessamos. Nós e outros 15 editores brasileiros. Como havia uma grande procura, o agente fez um leilão via fax (não havia e-mail na pré-história) e, depois de vários lances, fizemos uma oferta de U$ 20 mil dólares de adiantamento de direitos autorais. Lá no período paleolítico, no final dos anos 80, um dólar era um dólar de verdade! Não esta merreca de hoje em dia. Um dólar chegava a ser o que hoje equivale a três reais no câmbio oficial e uns 4 reais no famoso “black”, ou mercado negro. Tudo isto em meio a uma inflação de dois dígitos ao mês. Foi assim que recebemos a “feliz” notícia que todos os outros 14 pretendentes tinham se afastado do leilão e, portanto, o livro era nosso.

Confesso que quando baixou a poeira, não chegamos a festejar muito. No começo da operação, quando vencemos o leilão, aqueles 20 mil dólares nos tiraram apenas algumas horas de sono. No final, com o livro nas livrarias no começo do ano de 1989, passaram a nos tirar noites inteiras de sono… Foi assim:

Contratamos o músico e escritor Celso Loureiro Chaves, recém chegado de uma longa estadia nos Estados Unidos, para fazer a tradução. Foram 1.000 laudas. Revisamos em tempo recorde e, finalmente, um ano e pouco depois de assinarmos o contrato, colocamos um belo livro de 800 páginas em corpo 10, formato 16 x 23 cm nas livrarias de todo o Brasil. O preço seria o equivalente hoje a uns 100 reais. Imprimimos 5.000 exemplares para que a tiragem amortizasse o preço do calhamaço. Não precisou mais do que uma semana para que nossas esperanças se esvaissem. Nenhuma reposição. Só devoluções daqueles livreiros que apostaram – como nós – e fizeram pilhas nas suas livrarias. As pilhas foram muito observadas, mas ficaram intactas. Apesar da imprensa ter dado enorme destaque. O grande investimento em direitos, tradução (eram 1.000 laudas!), papel e gráfica tinha ido pelo ralo. Foi o livro mais festejado e não-comprado da história de mais de três décadas de L&PM. E nosso primeiro contato com aquilo que chama-se fracasso editorial. Dez anos depois, decidimos acabar com as enormes, gigantescas, pilhas que se acumulavam no nosso depósito. Aí então Andy Warhol foi um verdadeiro bestseller. Vendemos os 3 mil exemplares que sobraram por R$ 10,00 na Feira do Livro de Porto Alegre de 1997. Foi o saldo mais disputado da história de mais de meio século de Feira.

Sobre o livro, vale dizer que ele foi organizado por Pat Hackett, secretária e amiga de AW, que editou e escreveu o diário baseado nos telefonemas e no convívio diário com ele. Quem espera tiradas geniais e pistas para entender o mega universo Pop, fica profundamente decepcionado. Os diários empilham ti-ti-tis de celebridades, maldades, fofocas, tricôs e não revelam mais do que um personagem fútil, deslumbrado com o mundo dos ricos e das celebridades. Em bom português, pode-se dizer que, apesar das suas 800 páginas, os diários de Andy Warhol possuem a profundidade de uma poça d’ água. E não fazem jus ao seu gênio.

A fábrica do pop

Sua primeira grande criação foi a Factory (estúdio multi-disciplinar, onde Warhol pintava, desenhava e fazia seus célebres filmes underground. Depois criou a revista Interview que tornou-se uma referência no jornalismo cultural mundial. Célebre pela “invenção” da serigrafia como forma de arte, ou da concepção da obra de arte como um múltiplo, ele influenciou gerações. Em suas mãos, o banal se transformou em objeto artístico. Fotos criaram um clima inconfundível com seus alto contrastes e cores fortes. Cada retrato recebia dezenas de versões, sendo colorizado a partir de uma matriz que era reproduzida em várias telas. AW criou também o culto à celebridade e inventou a máxima bilhões de vezes repetida de que “todos teriam seus 15 minutos de fama”. Em 1968, foi alvejado três vezes por uma ex-funcionária da Factory, doublê de dramaturga e lésbica que se prostituía para ganhar a vida. Conseguiu sobreviver. Morreu dezenove anos depois. Foi enterrado em Pittsburgh, cidade onde nasceu, descendente de uma família de judeus húngaros, e onde está hoje o Museu Andy Warhol.

Embora os diários, como livro, não façam jus a dimensão do artista, AW é o último grande esteta num mundo que banalizou-se plasticamente. Ele transformou a arte num objeto de consumo e foi o monstro sagrado das artes visuais. Tímido, adquiriu, post-mortem, a celebridade e a importância do artista que fez a última grande revolução na arte moderna. Andy Warhol também está na série Biografias L&PM.

O mito Marilyn imortalizado pelas cores do pai da pop arte

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