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A mulher que queimava poesia

Foi em meio à ditadura de Stálin na Rússia que Anna Akhmátova criou seus poemas mais célebres. Depois de dois maridos mortos e um filho preso pelo regime, ela encontrou no próprio sofrimento e na agonia da espera a inspiração para seus versos.

O contexto socio-político conturbado influenciou não só o conteúdo da literatura produzida naquela época, mas também a técnica: para não ser descoberta pela polícia secreta, ela anotava seus versos em pedaços de papel apenas como um recurso de memorização e, quando o poema estivesse decorado, queimava as anotações num cinzeiro. É por isso que “Réquiem”, uma das peças mais comoventes de sua Antologia poética, é composta por uma porção de poemas curtos. E o mesmo aconteceu com vários escritores da época.

Durante alguns anos, o “Réquiem” foi se formando e sendo guardado de memória até o dia que fosse possível colocá-lo no papel. Sobre a prisão do filho, ela escreve:

Levaram-te embora ao amanhecer
Atrás de ti, como quem acompanha um carro fúnebre, eu segui.
No quarto às escuras, as crianças soluçavam
e a vela gotejava diante do ícone.
Teus lábios estavam gelados como uma medalhinha.
Do suor mortal em tua fronte nunca me esquecerei.
Como as viúvas dos Striéltsi, eu também
irei gritar diante das torrers do Kremlin.

(…)

Há dezessete meses choro,
chamando-te de volta pra casa.
Já me atirei aos pés do teu carrasco.
És meu filho e meu terror.
As coisas se confundem para sempre
e não consigo mais distinguir, agora,
quem a fera, quem o homem,
e quanto rerei de esperar até a sua execução.
Só o que me resta são flores empoeiradas
e o tilintar do turíbulo e pegadas
que levam de lugar nenhum a parte alguma.
E bem nos olhos me olha,
com a ameaça de uma morte próxima,
uma estrela enorme.

(…)

A L&PM publica uma Antologia poética de Anna Akhmátova, com tradução direto do russo feita por Lauro Machado Coelho, na Coleção L&PM Pocket.