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O dia triunfal de Fernando Pessoa

Por Marcelo Noah*

CONVITE ABERTO: O Dia Triunfal – Neste sábado, dia 8 de março, completam-se 100 anos do dia em que Fernando Pessoa, o múltiplo, teve a catarse criativa que fez vir a si seus heterônimos: Alberto Caeiro, o mestre pagão, Ricardo Reis, o neoclássico estóico, e Álvaro de Campos, a besta modernista.

É o “Bloomsday” lusófono, mas ninguém se dá conta disso. De todas as efemérides literárias, essa data é a que deveria ser celebrada no Brasil e virar feriado em Portugal. O homem que um dia disse “minha pátria é a língua portuguesa”, tendo publicado nesse idioma um único livro em vida – Mensagem –, logrou se transformar no maior e mais complexo poeta dessa língua. Deixou de herança para futuras gerações uma arca tomada de escritos que até hoje não cessou de prover descobertas, como uma caixa de pandora sem fundo e sem fim, aberta para o desconhecido.

Mas é o próprio Fernando Pessoa quem conta a história fascinante do seu “dia triunfal”:

desenho-de-fernando-pessoa-por-almada“Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. […] Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nesta altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num acto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.”

Há quem, remexendo em seus manuscritos, coloque em dúvida a total veracidade desse relato feito por Pessoa pouco antes de sua morte. Contudo, entre um crítico e um poeta, antes e sempre compactuar com o poeta. O certo é que alguma coisa de fundamental marcou a lembrança do poeta naquele dia. E mesmo tendo Pessoa inventado ou delirado esse momento triunfal para a glória de sua memória, tanto faz; ele bem sabia que “a literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta”.

Por isso, no sábado agora, dia 8 de março de 2014, aos cem anos desse “dia triunfal” para a língua portuguesa, fica o convite a todos: busquem os escritos do poeta e os mantenham em mãos, lendo para si mesmos e para os outros, nas suas cidades, pelos cafés, nas boticas, bodegas, ruas, onde for… sabedores de que, como dizia Caeiro, “o único mistério é haver quem pense no mistério”.

P.S.: Eu, Marcelo Noah, já fiz minha programação: passarei o dia circulando com meu/minha Pessoa por Sampa, vou almoçar em um português bunda-de-fora chamado Ita, que fica no Largo do Paiçandu, beberei um café no Vale do Anhangabaú e – depois do show da Gal – vou colar naquele bar chamado Cu do Padre, atrás da igreja do Largo da Batata, para beber uma branquinha. Tudo bem ao estilo pagão de Caeiro, bem F. Pessoa o dia inteiro. Quem quiser se juntar em algum momento manda um grito.

*Marcelo Noah é artista multimídia, mestre em Escrita Criativa pela PUCRS e publicou este “convite aberto” em seu perfil no Facebook.