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O dia em que Verlaine atirou em Rimbaud

Cheguei a Bruxelas há quatro dias, infeliz e desesperado. Conheci Rimbaud há mais de um ano. Vivi com ele em Londres, cidade que deixei há quatro dias para vir viver em Bruxelas, a fim de estar mais perto dos meus negócios, já que estou me separando de minha esposa, residente em Paris, a qual alega que eu mantenho relações imorais com Rimbaud. Escrevi a minha esposa dizendo que caso ela não viesse ter comigo em três dias, eu daria um tiro na minha cabeça, e foi com essa finalidade que comprei um revólver esta manhã na passagem das Galeries Saint-Hubert, com o estojo e uma caixa de balas, pela soma de 23 francos. Depois de minha chegada a Bruxelas, recebi uma carta de Rimbaud que me perguntava se podia vir se encontrar comigo. Enviei-lhe um telegrama dizendo que o aguardava, ele chegou há dois dias. Hoje, ao ver-me infeliz, quis me abandonar. Perdi o controle em um instante de loucura e atirei nele. Ele não deu queixa naquele momento. Fui com ele e minha mãe ao hospital Saint-Jean para que ele recebesse cuidados e voltamos juntos. Rimbaud queria partir de qualquer jeito. Minha mãe deu-lhe vinte francos para sua viagem; e foi no caminho para a estação que ele alegou que eu queria matá-lo.

(Depoimento de Paul Verlaine que está no livro Rimbaud, Série Biografias L&PM)

O nascimento de Baudelaire

É um estranho casal que dá à luz Charles Baudelaire, em 9 de abril de 1821. (…) Um pai velho, então com 62 anos, e uma mãe ainda jovem, com 34 anos menos que seu marido. Um pai marcado pelos faustos indolentes de uma época passada e uma mãe que descobre, de um dia para o outro, o amor carnal e, ao mesmo tempo, os caprichos de um velho. Um pai um tanto diletante, preso entre os requintes dos salões mundanos do século XVIII e a gravidade dos gabinetes administrativos, e uma mãe tímida, crédula, temerosa, para quem a maternidade é como um dom do céu, uma espécie de milagre, e o parto, uma revanche contra as adversidades. Um pai idoso que tem amigos idosos e uma mãe na flor da idade que, por sua vez, não tem amigos, a não ser um dos quatro filhos de seu tutor. Esse incrível contraste é percebido pelo pequeno Charles muito cedo, muito rápido. Na sua casa, na Rue Hautefeuille, tudo é antiquado, e aqueles que ele vê ir e vir e com os quais seu pai conversa ou vai ao teatro são todos velhos. Velhos caquéticos. Velhotes. Vovozinhos. Quando ele vai brincar no Jardin du Luxembourg, a dois passos de casa, ele vê que seu pai encontra mais velhotes, seus antigos colegas do Senado, companhias senis e quase decrépitas. Esse não é apenas um mundo velho, mas também um mundo que exala um cheiro de velho – odores terríveis, nauseabundos, repugnantes, pútridos, “florações na natureza”, “lodo repelente”, que ele não consegue deixar de registrar, de armazenar no fundo do seu ser.”

O trecho acima é parte do primeiro capítulo de “Baudelaire“, livro de Jean-Baptiste Baronian (Série Biografias L&PM). Uma das personalidades mais contraditórias da história da literatura, Baudelaire inovou em sua poesia e em sua abordagem da arte e da música. Feroz defensor da liberdade de costumes, teve uma vida ao mesmo tempo luxuosa e miserável, dissoluta e magnífica, deplorável e deslumbrante. Considerado um pária genial, entrou para a história com textos como “Todas as belezas contêm, assim como todos os fenômenos possíveis, algo de eterno e algo de transitório, de absoluto e de particular. A beleza absoluta e eterna inexiste, ou melhor, é apenas uma abstração empobrecida na superfície geral das diferentes belezas. O elemento particular de cada beleza vem das paixões, e como temos nossas paixões particulares, temos nossa beleza particular.”

Baudelaire em 1855

De autoria de Baudelaire, a Coleção L&PM Pocket publica “Paraísos Artificiais – O haxixe, o ópio e o vinho“.

Rimbaud: o mito maior do que a obra?

Jean-Nicholas Arthur Rimbaud até hoje mexe com o imaginário das pessoas que (não) conhecem a sua vida. Poeta adolescente, ele construiu sua obra entre os 15 e os 20 anos. Uma obra pequena, porém poderosa, onde o poeta se alinha entre os movimentos de vanguarda da época como o simbolismo e o parnasianismo. Anos depois de sua morte, aos 37 anos em 1891, foi considerado como uma das principais influências do surrealismo. Na verdade, Rimbaud compôs dois grandes poemas, “Iluminações” e “Uma temporada no Inferno” e mais algumas dezenas de poemas longos e curtos, entre os quais destaca-se o célebre “Bateau Îvre” (O barco bêbado). E foi só.

Mesmo porque ele abandonou a literatura aos 20 anos, tendo iniciado uma sequência de fugas, desaparecimentos e surgimentos que até hoje causam dor de cabeça nos seus fãs fanáticos e biógrafos. Arthur Rimbaud é como a expressão que Lilian Hellman consagrou; uma espécie de “pentimento”, um retrato que surge e se esvai, deixando somente um vulto. O menino genial que, aos 14 anos, venceu o concurso de poesias em latim na escola, concorrendo contra os alunos “grandes” do último ano do segundo grau, deixou sua marca na arte e na lenda. E talvez a sua marca mais poderosa tenha sido deixada justamente na lenda.

Sua vida de fugas e rebeldia começou aos quatorze anos, para desespero da viúva Vitalie Cuif uma conservadora senhora da região das Ardenas, onde ficava a provinciana Charleville, cidade natal do poeta. Entre idas e vindas à Paris, participou (apesar de serem frágeis os indícios)  da Comuna em 1871, frequentou os bares do Quartier Latin, promoveu dezenas de escândalos e conheceu o já grande poeta Paul Verlaine que tornou-se seu protetor. A amizade entre o grande poeta e o jovem aspirante a poeta tranformou-se rapidamente num caso de amor. Um tumultuado “affaire” que terminou (mal) em Bruxelas, quando Verlaine, numa crise de ciúmes, deu um tiro que acerta a mão de Rimbaud. Isto em 1873. Solidário com Verlaine que amargará dois anos nas masmorras belgas, o mundo intelectual parisiense abandona o incoveniente garoto de olhos azuis. E a partir daí os traços de Rimbaud começam a ser difusos, ocasionais, surgem e se perdem. Nunca mais pratica ou fala de poesia ou literatura. Anda pela Itália, pela Alemanha, Londres, Cidade do Cabo, trabalha num circo em Estocolmo, atravessa os Alpes a pé, alista-se no exército colonial das Índias Holandesas, deserta, vai trabalhar numa construtora no Chipre, adquire uma febre tifóide, é expulso de Chipre e segue de navio pelo Mar Vermelho e vai dar em Aden e de lá, empregado por uma empresa de comércio francesa, vai para Harar na Abissínia (hoje Etiópia). Aí, os registro são mais raros e esparsos. O que se sabe é pelas 80 cartas que mandou em 10 anos para os seus familiares. Ou de citações em correspondências alheias. Em 1880, são muito poucos os europeus naquele canto distante e infernal do planeta. E de lá, Rimbaud só sai para morrer de câncer na perna, em Marselha. Os registros escassos dizem e se contradizem; Rimbaud traficante de armas, Rimbaud traficante de escravos (nunca se provou, mas foi dito várias vezes), Rimbaud no Egito, atravessando desertos à frente de uma centena de camelos, enfrentando bandidos, tribos hostis, reis africanos, com quilos de moedas de ouro ocultas em sua cintura, etc., etc.

Nesta biografia de Rimbaud que a coleção L&PM POCKET acaba de lançar, Jean-Baptiste Baronian faz um trabalho brilhante de garimpo de informações, de construção de um perfil e de compilação de fatos provados e de especulações sem documentação. E o fascinante para o leitor é que destas páginas emerge, com toda a força do mito Rimbaud, aquela que é considerada uma das maiores e mais enigmáticas aventuras poéticas de todos os tempos (Ivan Pinheiro Machado).

Rimbaud: mais do que uma vida, uma saga

O homem que pagou por Dorian Gray

Você já ouviu falar em J.M. Stoddart? Pois prepare-se para guardar esse nome. Editor de uma reconhecida revista literária americana, a Lippincott´s Monthly Magazine, Stoddart estava de passagem por Londres no dia 30 de agosto de 1889, quando resolveu convidar para jantar seus escritores preferidos: Arthur Conan Doyle e Oscar Wilde. Durante o encontro, ele aproveitou para pedir à dupla (e que dupla!) que escrevesse textos originais para seu periódico. Diante de uma boa proposta de remuneração – e já sabendo que a Lippincott´s não era qualquer revista – os dois aceitaram na hora. Em fevereiro, Conan Doyle enviou a Stoddart O signo dos quatro, segundo romance que trazia o personagem Sherlock Holmes. Já Wilde, que também havia prometido um manuscrito inédito para o início do ano seguinte, entregou, em março, nada menos do que a primeira versão de O retrato de Dorian Gray, publicada na edição de julho de 1890 da Lippincott´s. Ou seja: se não fosse o editor americano J.M. Stoddart sabe-se lá se Dorian Gray teria mesmo nascido.

A capa da Revista Lippincott´s de julho de 1890, onde pela primeira vez foi publicado "O retrato de Dorian Gray"

Esta e muitas outras histórias do autor de Dorian Gray estão em Oscar Wilde, livro que faz parte da Série Biografia L&PM.

Lady Day e a canção do século

Billie Holiday andou pelas ruas do Harlem até as mais prestigiosas salas de espetáculo de Nova Iorque. Sexo, álcool, drogas, Lady Day queria experimentar tudo. E experimentou. Sua vida como cantora começou por necessidade. Ameaçada de despejo, por falta de pagamento, aos 15 anos buscava desesperadamente algum dinheiro para ajudar a mãe. Entrou em um bar,  ofereceu-se como dançarina e foi um total desastre. O destino lhe reservou sorte: o pianista que testava as dançarinas perguntou se Billie sabia cantar. Billie cantou.

É impossível falar sobre Lady Day sem falar em Strange Fruit, música do vídeo abaixo.  Strange Fruit foi composta como um poema, escrito por Abel Meeropol, um professor judeu de um colégio do Bronx, sobre o linchamento de dois homens negros. Depois de linchados, eles foram enforcados em árvores. Por isso eram os “frutos estranhos”. Holiday cantou a música pela primeira vez no Cafe Society em 1939. A canção passou a fazer parte regular de suas apresentações ao vivo. Em dezembro de 1999, a revista Time deu a Strange Fruit o título de canção do Século.

Billie Holiday é um dos grandes nomes da série Biografias, publicada pela L&PM.

Há 129 anos, nascia o imortal Picasso

Picasso achava-se imortal. E não era para menos. Morreu numa madrugada quente em seu castelo de Notre Dame de La Vie na Cote d’Azur, em 8 de abril de 1973, depois de trabalhar a noite inteira. Tinha 92 anos. Faria 93 exatamente em 25 de outubro, dia em que nasceu no longínquo ano de 1881 em Málaga na Espanha. Na verdade, ele tinha razão. Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso, dito Pablo Ruiz Picasso, é imortal. Numa época em que as pessoas acordam célebres e dormem anônimas tal é a ferocidade da máquina de moer da mídia, Picasso conseguiu a proeza de ser uma celebridade internacional absoluta durante 60 anos, enquanto viveu, e uma lenda depois de sua morte. Nenhum artista produziu tanto (cerca de 40 mil obras entre desenhos, litografias, esculturas, cerâmicas, telas, aquarelas e móbiles) e nenhum pintor teve uma influência tão imensa e decisiva sobre a história da arte. O cubismo, criado por ele em 1907, é o marco fundador da arte contemporânea e completa a revolução iniciada pelo impressionismo no final do século XIX. Anarquista, comunista, depois liberal, Picasso deixou atrás de si quilômetros de lendas. Combateu o franquismo, resistiu ao nazismo em Paris, pintou Guernica (que junto com a Monalisa e a Santa Ceia, ambas de Da Vinci são as obras de arte mais famosas da história) e atravessou o século se renovando, inventando, indo sempre além das convenções, surpreendendo, subvertendo. O século XX foi o século de Picasso. E o século XXI segue a reverenciá-lo. (IPM)

 

A L&PM publica “Picasso“, de Gilles Plazy, na Série Biografias.