Jean-Nicholas Arthur Rimbaud até hoje mexe com o imaginário das pessoas que (não) conhecem a sua vida. Poeta adolescente, ele construiu sua obra entre os 15 e os 20 anos. Uma obra pequena, porém poderosa, onde o poeta se alinha entre os movimentos de vanguarda da época como o simbolismo e o parnasianismo. Anos depois de sua morte, aos 37 anos em 1891, foi considerado como uma das principais influências do surrealismo. Na verdade, Rimbaud compôs dois grandes poemas, “Iluminações” e “Uma temporada no Inferno” e mais algumas dezenas de poemas longos e curtos, entre os quais destaca-se o célebre “Bateau Îvre” (O barco bêbado). E foi só.
Mesmo porque ele abandonou a literatura aos 20 anos, tendo iniciado uma sequência de fugas, desaparecimentos e surgimentos que até hoje causam dor de cabeça nos seus fãs fanáticos e biógrafos. Arthur Rimbaud é como a expressão que Lilian Hellman consagrou; uma espécie de “pentimento”, um retrato que surge e se esvai, deixando somente um vulto. O menino genial que, aos 14 anos, venceu o concurso de poesias em latim na escola, concorrendo contra os alunos “grandes” do último ano do segundo grau, deixou sua marca na arte e na lenda. E talvez a sua marca mais poderosa tenha sido deixada justamente na lenda.
Sua vida de fugas e rebeldia começou aos quatorze anos, para desespero da viúva Vitalie Cuif uma conservadora senhora da região das Ardenas, onde ficava a provinciana Charleville, cidade natal do poeta. Entre idas e vindas à Paris, participou (apesar de serem frágeis os indícios) da Comuna em 1871, frequentou os bares do Quartier Latin, promoveu dezenas de escândalos e conheceu o já grande poeta Paul Verlaine que tornou-se seu protetor. A amizade entre o grande poeta e o jovem aspirante a poeta tranformou-se rapidamente num caso de amor. Um tumultuado “affaire” que terminou (mal) em Bruxelas, quando Verlaine, numa crise de ciúmes, deu um tiro que acerta a mão de Rimbaud. Isto em 1873. Solidário com Verlaine que amargará dois anos nas masmorras belgas, o mundo intelectual parisiense abandona o incoveniente garoto de olhos azuis. E a partir daí os traços de Rimbaud começam a ser difusos, ocasionais, surgem e se perdem. Nunca mais pratica ou fala de poesia ou literatura. Anda pela Itália, pela Alemanha, Londres, Cidade do Cabo, trabalha num circo em Estocolmo, atravessa os Alpes a pé, alista-se no exército colonial das Índias Holandesas, deserta, vai trabalhar numa construtora no Chipre, adquire uma febre tifóide, é expulso de Chipre e segue de navio pelo Mar Vermelho e vai dar em Aden e de lá, empregado por uma empresa de comércio francesa, vai para Harar na Abissínia (hoje Etiópia). Aí, os registro são mais raros e esparsos. O que se sabe é pelas 80 cartas que mandou em 10 anos para os seus familiares. Ou de citações em correspondências alheias. Em 1880, são muito poucos os europeus naquele canto distante e infernal do planeta. E de lá, Rimbaud só sai para morrer de câncer na perna, em Marselha. Os registros escassos dizem e se contradizem; Rimbaud traficante de armas, Rimbaud traficante de escravos (nunca se provou, mas foi dito várias vezes), Rimbaud no Egito, atravessando desertos à frente de uma centena de camelos, enfrentando bandidos, tribos hostis, reis africanos, com quilos de moedas de ouro ocultas em sua cintura, etc., etc.
Nesta biografia de Rimbaud que a coleção L&PM POCKET acaba de lançar, Jean-Baptiste Baronian faz um trabalho brilhante de garimpo de informações, de construção de um perfil e de compilação de fatos provados e de especulações sem documentação. E o fascinante para o leitor é que destas páginas emerge, com toda a força do mito Rimbaud, aquela que é considerada uma das maiores e mais enigmáticas aventuras poéticas de todos os tempos (Ivan Pinheiro Machado).
Rimbaud: mais do que uma vida, uma saga