Por Carol Teixeira
Ninguém gosta de falar do fim de um amor. O fim lembra morte e ninguém gosta de pensar em morte. Isso porque a experiência do amor nos dá a sensação de continuidade, logo, cria a ilusão de eternidade. Então é compreensível que o fim de um romance leve a essa inevitável associação ao oposto do eterno, mesmo que inconsciente. Por isso as pessoas quando vêem seus relacionamentos terminados, não se permitem assimilar com calma, refletir muito sobre, simplesmente querem se livrar logo daquela sensação ruim e da incompreensão – é mais fácil sentir raiva, mágoa e jogar tudo para baixo do tapete.
Foi justamente o que não fez o ex-casal que escreve e protagoniza a peça que vi ontem, “Festa de Separação – um documentário cênico”. A história pré-peça é real: a atriz Janaína Leite e o filósofo e músico Fepa tiveram um relacionamento de vários anos. Até que ele acabou. Ao invés de simplesmente agir como a maioria, eles decidiram ritualizar esse fim, fizeram diversas “festas de separação” e gravaram trechos e depoimentos, num exorcismo positivo de todo aquele sentimento. E surgiu a ideia de fazer algo que refletisse sobre esse fim sobre o qual ninguém gosta de falar. Daí veio essa linda peça que me virou do avesso. Me identifiquei muito com a maneira com a qual eles abordam o assunto, mostrando trechos de filme, trechos das gravações feitas nas tais festas de separação, trechos de livros, músicas, citações de filósofos. Me senti em casa, porque é assim que eu vejo a vida e reflito sobre as questões, sempre filtrada através de pedaços de arte, de irrealidades. Então, pelo fato de eles falarem a minha língua, a peça me tocou de uma forma mais absurda ainda.
O legal é que eles satisfazem nossas curiosidades voyerísticas (lemos um antigo e-mail dele para ela, ouvimos uma mensagem dela tristíssima gravada da secretária eletrônica, vemos vídeos…), mas ao mesmo tempo eles universalizam a questão do fim, através da arte (citações, leituras, músicas, metáforas e a própria realização da peça), levando todos juntos naquele delicado processo catártico.
Me vem à mente agora a frase do Nietzsche que tenho tatuada nas costas, “a arte existe para que a verdade não nos destrua”. Ou aquele mito do Perseu que só olhava para Medusa através da imagem refletida em seu escudo de bronze, para que o olhar dela não pudesse o petrificar.
A arte, com seu olhar indireto, curando. A arte fazendo transcender. A arte como a única maneira possível de superar nossa natureza trágica.
Para assistir à entrevista de Carol com Janaína e Fepa, clique aqui.