Assim como a Inglaterra produziu grandes bandas de Rock nos últimos 50 anos, a França produziu filósofos originais, não-alinhados, alguns geniais e quase sempre transgressores. No século passado eram classificados “oficialmente” como “novos filósofos”, o que, na época, dentro da academia, era quase pejorativo. Mas a França, pátria da Revolução de 1789, sempre foi generosa e receptiva aos novos pensadores. E só na França um filósofo é pop; vai aos debates em horário nobre na TV, é assediado pela mídia em geral, tem blog, tuíter, enfim, na França ainda se dá valor aos pensadores.
Michel Onfray é um destes homens que despontaram para o estrelato movidos por uma inteligência luminosa e uma incomum capacidade de se expressar. Em poucas palavras: ele atinge o sortilégio de transformar filosofia em literatura e por conseqüência em leitura prazeirosa, empolgante e surpreendente. Nós editamos um livro dele, que, na minha opinião, é genial. Na sequência deste post, a editora Caroline Chang comenta Teoria da Viagem: poética da geografia, uma verdadeira viagem ao prazer da leitura. (I. P. M.)
Reflexões andarilhas
O conceito de viagem ainda faz sentido, num mundo on-line e globalizado? Michel Onfray, pensador francês hedonista, autor de diversos livros de divulgação de filosofia, defensor do ateísmo e da autonomia do pensamento e da vida, faz, em Teoria da viagem: poética da geografia, um elogio à arte de viajar. O viajante Onfray – para quem filosofar só é possível a partir de uma experiência autobiográfica – resgata os significados primeiros de se sair em busca do desconhecido. Remontando à história de Caim (agricultor, sedentário) e Abel (pastor, nômade), ele estabelece dois polos entre os quais todos oscilamos: nomadismo versus sedentarismo, e amor ao movimento versus paixão pelo imobilismo, pelo enraizamento. É sobre as experiências vividas sob o signo do nomadismo, do espírito da viagem que versa este volume de ensaios. Se por um lado, como afirma Onfray, o mundo resiste às tentativas de colocá-lo em palavras, neste manual da aventura ele recupera os estados de alma do viajante primordial e nos recorda uma lição ancestral: o aprendizado do mundo se dá ao mesmo tempo em que o aprendizado de nós mesmos. Como resultado, Teoria da viagem se oferece como um personalíssimo inventário de reflexões andarilhas, que têm a ver com memória, com amizade, com subjetividade, com perder-se, com a escolha de um destino. Graças ao estilo poético e informal que o tornou um dos filósofos mais lidos da contemporaneidade, Onfray atinge o pastor que há em todos nós. Após a leitura, este livro terá assegurado um lugar na bagagem – real ou afetiva – do leitor. (Caroline Chang)