Conta a lenda que há muito tempo havia uma espécie de panteão chinês, governado por um deus conhecido como Imperador de Jade e que possuía uma filha chamada Chih’nü (garota tecelã). Diariamente, com a ajuda de um robe mágico, Chih’nü descia à terra para banhar-se. E foi em um desses dias que a garota tecelã encontrou um vaqueiro solitário que se apaixonou por ela. Para impedir que a filha do imperador voltasse ao reino dos céus, o vaqueiro roubou seu robe mágico e a levou para sua casa. Ao saber do acontecido, o imperador ficou furioso, mas nada pode fazer, já que nesse meio tempo sua filha também se apaixonara pelo vaqueiro casando-se com ele. Mas Chih’nü sentia muita saudade do pai e, um dia, depois de encontrar seu robe mágico em uma caixa, foi visitá-lo no céu. Só que ao tentar voltar para o marido, a moça descobriu que o pai havia criado um rio que passava pelos céus (a Via Láctea) e que a impedia de retornar para a Terra. Como o imperador não era tão mau assim, decidiu que uma vez por ano, no sétimo dia do sétimo mês do calendário lunar chinês, ele permitiria que os dois amantes se encontrassem sobre um rio.
E é assim que ainda hoje, em todo sétimo dia do sétimo mês do calendário lunar há um feriado na China conhecido como Qi Xi, que é uma espécie de Dia dos Namorados para eles. Confesso que não sei muito bem como eles comemoram essa data, já que não vi nenhum restaurante à luz de velas na China. Aliás, preciso confessar, os restaurantes daqui não são nada românticos. E nem muito limpinhos. Com exceção de Hong Kong, que acabo de conhecer e que nem parece a China de tão cosmopolita (e que pertencia aos ingleses, portanto é diferente mesmo), Shanghai e Wenzhou (outra cidade que também visitei na ex terra de Mao) não são exatamente lugares feitos para namorar.
Os mais “chiques” tem salas individuais e de diferentes tamanhos onde você não vê os outros clientes e os garçons ficam ali à sua disposição. A mesa é sempre redonda e grande, com o centro giratório, onde uma média de trinta e quarenta pratos vão sendo servidos. Um tipo de buffet particular. Só que na China, o que gira não é apenas a mesa, mas também o seu estômago. Em um dos almoços, dessa vez em um restaurante mais simples, um chinês nos convidou para comer uma espécie de sopão, que fervia dentro de um buraco no meio da mesa, enquanto os ingredientes – que chegam crus à mesa – iam sendo jogados lá dentro. Na verdade, cru é modo de dizer, porque alguns deles chegam vivos mesmo. Eu estava lá quando, de repente, vi alguma coisa se mexendo no prato ao meu lado. Eram dezenas de bichos que mais pareciam uma mistura de camarão com lacraia e que tentavam desesperadamente fugir dali. Nosso anfitrião chinês não teve dúvida: foi logo jogando os bichos na fervura. E enquanto eles esperneavam, lutando pela vida, eu me mantinha em estado de choque.
Para conhecer fábulas chinesas como a do Qi Xi leia a edição bilíngue de 50 fábulas da China fabulosa, de Sérgio Caparelli e Márcia Schmaltz.
Leia os posts anteriores:
– Será que alguém lê livros na China?
– A escrita chinesa e a arte de desenhar ideias
– Enquanto isso, na China milenar, a Expo continua a mil
– A Expo é um parque de diversões na cabeça
– A Expo Shanghai, os chineses e o Brasil
– Xangai é um barato