Dylan, minha filha e eu, together in the park

Para ouvir ao som de “Tomorrow is a long time”

Por Paula Taitelbaum*

23 de abril é dia de Shakespeare, Cervantes, São Jorge. Dia Mundial do Livro. Mas hoje nada disso importa… 23 de abril é o dia em que, há exatos 51 anos, Bob Dylan fez seu primeiro show pago, abrindo para John Lee Hooker no Gerde´s Folk City em Nova York. E mais do que isso: é o dia em que nasceu Clara, minha filha. Ou seja: ontem era aniversário dela. Clara, que estava fazendo 11 anos, toca Knock, knock, knockin’ on heaven’s door ao violão e encontra Dylan todo dia de manhã, ao sair do quarto – em uma tela feita pelo artista plástico Oscar Fortunato que há anos está pendurada na parede do corredor bem em frente à sua porta. Clara sabia que o bardo estava na cidade, em um hotel não muito longe de nossa casa. E talvez por isso, desde o final da tarde de ontem, repetia sem cessar: “Queria tanto encontrar o Bob Dylan no dia do meu aniversário…”. Ao sairmos pra jantar com a família, ela continuou falando isso à exaustão, convencida de que o encontro era realmente possível. Lá pelas 22h, ao deixarmos o restaurante, já no rumo de casa, resolvemos fazer um caminho mais longo só para, quem sabe, tropeçar sem querer com Dylan rolando como uma pedra pelas ruas de Porto Alegre… Vá que Clara tivesse razão.

O carro ía devagar, olhávamos atentos às ruas vazias de uma segunda-feira fria. Procurávamos uma figura magra, pequena, provavelmente de touca preta e jaqueta de couro. Nada. Nem sombra. Então, sugeri que virássemos numa rua ao lado do Parcão (como é chamado o Parque Moinhos de Vento). De repente, vimos, sob a penumbra das árvores, entre a luz difusa, duas pessoas caminhando bem devagar. “É ele!” gritou Eduardo. E parou o carro. E era ele. Ele! O cara que escreveu “Like a Rolling Stone” e tanto tanto tanto mais. Que habita nossas paredes, nossas estantes, nossos corações e mentes, o próprio ar que respiramos com sua música. Não havia a menor dúvida de que era ele. Bob e uma mulher caminhavam e conversavam. Dois amigos falando sobre a vida, o clima, o mundo e suas complexidades, sei lá… Together in the park, with the sky already dark. I looked at him and felt a spark, tingle to my bones: meu coração disparou, comecei a tremer inteira, Clara saltou do carro. Caminhamos em direção a ele. Clara e eu. Eduardo ficou um pouco mais atrás, não queria atrapalhar o momento… Ao ver Clara, Dylan sorriu com os olhos. Uma criança faz toda a diferença… “Hi Bob”. “I´m very nervous” disse eu (se isso é coisa que se diga!!!). “Is her birthday” falei, apontado para ela. Ele abriu um sorriso gentil: “Oh, it´s your birthday! Happy birthday”. Então Clara tirou um bilhete da bolsa e ofereceu a ele. Um bilhete que ninguém sabia que ela tinha feito. Estava escrito e desenhado com um coração “I love Bob. From Clara / To Bob Dylan”. Ele pegou o bilhete e sorriu ainda mais, apertando os olhos finos de um azul translúcido, capazes de iluminar a noite fria. Então, apontou para o tênis dela e, vendo os cadarços desatados, disse “You will stumble… Tie up your shoes” (Você vai tropeçar, amarre seu sapato). Clara bend down to top the laces of her shoes… Então, ele ergueu o bilhete, sacudiu-o no ar e o apontou em direção a ela, deixando claro que iria guardá-lo. Eu agradeci e disse “See you tomorrow” (but “Tomorrow is a long time” devia ter emendado). Eles continuaram caminhando. Eu tremia e chorava. Clara pulava. Na cama, antes de dormir, ela disse “Que velhinho mais querido!”. Sim, sim, o velhinho mais jovem que eu já vi na vida. Forever Young and still on the road, after all these years. Nunca vamos esquecer esse 23 de abril… Never gonna be the same again…

*Paula Taitelbaum é escritora, coordenadora do Núcleo de Comunicação da L&PM, mãe de Clara e hoje vai assistir pela sétima vez um show de Bob Dylan.

32 ideias sobre “Dylan, minha filha e eu, together in the park

    1. Clara Taitelbaum

      Olá, 🙂 agradeço a todos que comentaram! Fiquei muito feliz em conhecer o Dylan, ele não é de falar muito, mas o que eu mais gostei foi de olhar para os seus olhos.

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  1. Rody Cáceres

    Sério? Foi um milagre!

    ADOREI a crônica!

    Pô, Paulinha, vê se escreve mais textos assim, adoro quando o blog posta crônicas.

    “Paula Taitelbaum, poeta gaúcha, e sua filha aniversariante encontram Bob Dylan passeando pelas ruas de POA.”

    Inacreditável!

    Ah! Minha pergunta de sempre: e o próximo livro, moça?

    Abraços!

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    1. Paula Taitelbaum Autor do post

      Sério! Seríssimo! Apesar de inacreditável… Choro cada vez que lembro. E hoje tem show dele aqui em Porto Alegre! Viva! Escreverei mais, prometo… Ah, o próximo livro? Esse ano, esse ano… Bjs!!!

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      1. Paula Taitelbaum Autor do post

        Não fiz fotos. Dificilmente faço fotos. Foi um momento mágico que ficará registrado somente nas nossas lembranças… Pra sempre!

  2. Leo Machado

    Paula,
    Meus sinceros parabéns pelo incrível texto !!! – Tem histórias que só acontecem com quem ama Bob Dylan…é um caso de amor e paixão pela sua arte escrever e musicar seus poemas…

    Seu texto me levou as lágrimas…gostaria muito de ter vivido esse momento, só para olhar o brilho do rosto de sua filha Clara…imagino como deve ter sido…lindo demais !!!

    Que Deus a Proteja e sua iluminada filha Clara…Parabéns pelo aniversário !!! – Vida longa !!!

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    1. Clara Taitelbaum

      Um dia eu perguntei ao Peninha: ”Qual são as possibilidades de eu conhecer o Bob Dylan”? Ele respondeu: ”Nenhuma, mas eu por exemplo desejei muito conhecê-lo, se você pensar muito nisto, talvez o conheça muito raramente”! Ele falou mais ou menos assim, mas agora isto se realizou!

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  3. @bernarducs

    incrível esse encontro. sua filhinha tanto pediu e estava tão certa que iria encontrá-lo que aconteceu! a emoção com que vc transcreve o momento vivido usando alguns trechos das canções do bob nos dá o clima, cenário, trilha e os nomes perfeitos (nossa, até o nome da sua filha é Clara!) pra imaginar o acontecido. como vc bem confessou, criança faz toda a diferença. foi o que tocou todo nós. afinal, mesmo sendo adulto se trata de um grande sonho daqueles de criança, distantes, fantásticos e inusitados, encontrar com um ídolo de uma vida (não importando quantos anos você tem) inteira. e acabamos agindo até como uma. olhe só para você. acredito que a clarinha foi a mais tranquila por todo momento, rs. parabéns.

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  4. gilmar

    Lindo texto, bela história, que momento! Eu também me sentiria assim se vivesse uma situação destas. Dylan é um mito do nosso tempo, lamento muito não ter podido ir ao show dele hoje. Parabéns, Clara!

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  5. Caio Rocha

    Por muito pouco que não encontro todos. Meu pai tinha me sugerido no começo da tarde ir procurar o Dylan e tentar falar com ele, de repente até gravar alguma coisinha pro meu programa de rádio. Cheguei a fazer umas pesquisas na internet e descobri o hotel, e inclusive pensei que o Parcão era o lugar mais provável pra ele dar uma volta à noite, mas meio por não saber o que dizer pra ele, acabei ficando em casa e só vendo ele hoje no show (coincidentemente assisti bem ao lado da Paula e família). Mas fico feliz que a Clara tenha encontrado ele e eu não, ela soube aproveitar o encontro muito mais do que eu teria sido capaz. E eu provavelmente não teria sido tão bem recebido por Mr. Zimmerman…

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  6. Antonio Clifton

    Suponho que esse fanatismo com o Bob Dylan seja por causa do casamento com o Peninha.
    Sorte que tu não arrumou um pagodeiro pra chamar de seu, né…

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  7. Marcos David

    Li este texto torcendo pelo encontro e terminei emocionado com o final feliz.
    A citação de Simple Twist of Fate foi perfeita.
    Fotos não são necessárias nestes momentos,”Dignity never been photographed”

    Um abraço à Clara e aos pais que botaram fé.

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  8. CIDA BRASILIA

    oi clara, fico feliz por vc, por que vc teve a grande oportunidada de ver
    bob de perto e falar com ele.

    é tudo que eu queria, nesta vida poder olhar nos olhos tão lindos, eu faço aniversário no dia 26 de abril, mas ir ao show dele no dia 17, já foi
    um grande presente que Deus me deu, eu amo muito o bob Dylan, as vezes choro muito quando ouço suas musicas é um sentimento que me
    envolve qua sei explicar. Talvez agora posso entender por ele e suas
    musicas mexe tanto comigo eu 60 anos acompanhei toda a tragetorio de
    bob dylan, mas vc é apenas uma garotinha, e ele conseguiu te emocionar tanto. Realmente ele é o Bob Dylan!!! parabens Clara! pelo o seu aniversario e pelo o belo presente que vc ganhou. de ver bob.

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