No ano de 1816, conhecido como “o Ano sem Verão”, a jovem Mary Wollstonecraft Godwin, então com apenas dezenove anos, hospedou-se às margens do Lago Léman, na Villa Deodati, a convite de Lord Byron. Também integravam a companhia John Polidori, médico pessoal de Byron e escritor e Percy Bysshe Shelley, com quem Mary viria a se casar no mesmo ano. Reunidos no pé da lareira para fugir do frio e da chuva fora de época, os amigos passavam o tempo lendo histórias de fantasmas, até que Byron sugeriu que cada um escrevesse uma história baseada em algum evento sobrenatural. Mal sabia o lorde inglês que esta prosaica sugestão acabaria dando ensejo a uma das ocasiões mais célebres da história da literatura. Dia após dia perguntavam a Mary Godwin se havia pensado em uma história; dia após dia a resposta era uma negativa. Até que, certa noite, a autora teve uma visão:
Depois de repousar a cabeça no travesseiro, não dormi, nem se poderia dizer que eu estivesse pensando. A minha imaginação, agindo por vontade própria, possuiu-me e guiou-me, conferindo sucessivas imagens que surgiram na minha mente uma vividez muito além dos limites ordinários da fantasia. Eu vi – os olhos fechados, mas com uma visão mental precisa -, eu vi o pálido estudante das artes profanas de joelhos ao lado da coisa que havia montado. Vi o odioso espectro de um homem estendido, que então, sob a influência de algum móvel poderoso, deu sinais de vida e agitou-se com movimentos canhestros, dotados de uma espécie de semivida.
Logo o tempo melhorou e o grupo foi passear nos Alpes – porém Mary, obcecada pela ideia do monstro e graças ao incentivo e ao apoio de Shelley, saguiu lapidando o texto que culminaria no romance Frankenstein, finalmente publicado em 1818.
Trecho de Breve esboço sobre a vida literária dos monstros, texto de Guilherme da Silva Braga que abre o livro Clássicos do Horror da Série Ouro L&PM e que traz, no mesmo volume, Frankenstein, Drácula e O médico e o monstro, títulos que também são publicados na Coleção L&PM Pocket.
As partes que mostram o mundo pelos olhos do ‘monstro’ são as partes mais emocionantes do livro, na minha opinião. Valem a leitura.