Quando o anjo modernista voou

(…) em novembro de 1914, Orris Soares e Heitor Lima encontraram-se com Olavo Bilac e o informaram do prematuro falecimento de Augusto. “E quem é esse Augusto?”, perguntou Bilac. Um grande poeta, responderam-lhe, e Heitor Lima recitou o soneto Versos a um coveiro. Bilac sorriu superiormente e comentou: “Fez bem em morrer, não se perde grande coisa”. Bilac não viveu o bastante para perceber que se enganara. Os anos da guerra modificavam o gosto dos leitores e a literatura excedia o frívolo tropo de “sorriso da sociedade”. Da terceira edição de Eu, em 1928, venderam-se 5.500 exemplares em dois meses, os primeiros 3.000 em apenas quinze dias. Era o começo da longa e acidentada via de reconhecimento público, que faria de Augusto o que ele é hoje, um dos mais admirados poetas brasileiros e, por certo, o mais original. (Trecho da introdução de Eu e outras poesias, de Augusto dos Anjos – Coleção L&PM Pocket).

O paraibano Augusto dos Anjos morreu precocemente de pneumonia aos 30 anos em 12 de novembro de 1914. Poeta que costumava compor “de cabeça”, enquanto gesticulava e pronunciava os versos de forma excêntrica para só depois transcrever suas palavras para o papel, Augusto publicou apenas um livro em vida: Eu. Após sua morte, o amigo Orris Soares organizou uma edição chamada Eu e Outras Poesias que incluiu poemas até então inéditos para o público, entre eles Versos a um coveiro. Este belíssimo soneto que, naquela época, era moderno demais para parnasianos como Olavo Bilac. 

VERSOS A UM COVEIRO

Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
– Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco… Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcrais

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números,
A tua conta não acaba mais!

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