Por Ivan Pinheiro Machado*
Não custa nada relembrar Balzac. Ele deve ser lido sempre. As razões estão em sua própria obra, impressionante na extensão, fascínio, precisão, perenidade e talento.
Quem, na história da literatura ocidental, criou tantos mundos, tantos personagens, tantas intrigas, tantas e tantas histórias como Honoré de Balzac? Criador do romance moderno e do realismo, foi através da monumental Comédia Humana que ele unificou uma obra vasta, original, diversificada em temas, personagens, épocas e lugares.
Concebeu o projeto da Comédia Humana nos início dos anos 1830, quando tinha 30 anos. Em menos de duas décadas (morreu em 1850) criou 89 histórias diferentes – não concluindo o projeto da Comédia, que incluiria 137 livros. Até 1829 escreveu dezenas de romances que publicou sob pseudônimo.
Pela Comédia Humana transitam cerca de 2.500 personagens formando um magnífico e enorme painel da França e da Europa entre as décadas de 1790 e 1830. Frederich Engels, numa carta a Karl Marx, dizia que “eu aprendi mais em Balzac sobre a sociedade francesa da primeira metade do século, inclusive nos seus pormenores econômicos (por exemplo, a redistribuição da propriedade real e pessoal depois da Revolução), do que em todos os livros dos historiadores, economistas e estatísticos da época, todos juntos …”
História dos Treze é a trilogia composta pelos romances Ferragus, A Condessa de Langeais e A Menina dos Olhos de Ouro – completamente autônomos com histórias e personagens totalmente distintos. Em comum, a existência de uma sociedade secreta, Os treze devoradores, espécie de seita composta por 13 amigos, cujo objetivo é todos ajudarem-se mutuamente – e secretamente – colocando a amizade acima de qualquer preceito moral e até mesmo da lei. Este tipo de “sociedade”, quase um ideal romântico, ocupava o imaginário do público francês e as histórias envolvendo seitas secretas tinham enorme sucesso na época. Balzac embarcou nesta e, muito mais do que seguir uma moda, criou três obras-primas que obtiveram enorme sucesso ao serem publicadas como folhetim nos jornais parisienses.
História dos treze representa um marco na obra balzaquiana, pois ele – ao criar um elo entre os três romances – começava a expor a poderosa mecânica da Comédia, onde centenas de personagens frequentam vários livros, ora como protagonistas, ora como coadjuvantes. Mais do que o misterioso Ferragus, o legendário herói de guerra general Montriveau, a bela e enigmática duquesa de Langeais, o charmoso De Marsay, a maravilhosa e ambígua Paquita Valdés, a grande personagem destes três livros é aquela que foi a grande paixão de Balzac: a cidade de Paris.
As ruas estreitas, úmidas e escuras, os palacetes, o sofisticado faubourg Saint Germain des Près, as Tulherias, o Boi de Boulogne, os bailes da Ópera, enfim, a grande Paris da Restauração que emergiu dos destroços do império napoleônico está inteira, contracenando e interagindo com homens e mulheres que se debatem em romances improváveis, traições, intrigas, num enredo magnífico que, segundo seu criador, refletia um mundo que resumia sua ambição à busca desenfreada por “ouro e poder”.
* Toda semana, a Série “Relembrando um grande livro” traz um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis.