Por Paula Taitelbaum*
Meu primeiro contato com “História de O” foi a adaptação para quadrinhos feita pelo genial Guido Crepax. Comprei a graphic novel nos anos 90, numa época em que as HQ de luxo viraram febre e que me transformei em uma fiel colecionadora do gênero.
Em “História de O” desenhada por Crepax – assim como no livro original de Pauline Réage – a personagem título, chamada simplesmente de “O”, é levada a um castelo por seu amante René. Lá, ela é submetida a uma série de práticas de dominação, incluindo as mais criativas e bizarras fantasias de seu “senhor”. A partir daí, O descobre que prazer e submissão são dois lados da mesma moeda e que carrasco e vítima não passam de cúmplices em um pacto sinistro que pode trazer prazer a todos. E isso, cá entre nós, muito antes de “50 Tons de Cinza” aparecer por aí.
Anos depois de ter conhecido O e sua saga, graças aos desenhos de Crepax, assisti a um documentário incrível que contava a verdadeira história da “História de O”. Esse documentário – que agora não lembro o nome – mostra quem foi Pauline Réage, a autora do livro escrito em 1954. Durante 50 anos, ninguém soube quem era Pauline Réage, pois o nome não passava de um pseudônimo.
Até que, em 1994, uma jornalista foi em busca da verdadeira identidade da escritora e finalmente chegou a uma comportada senhora francesa de 89 anos: Anne Desclos. Anne havia trabalhado como escritora, tradutora, editora e jornalista e ficado famosa com outro pseudônimo, Dominique Aury, nome que ela usava para assinar suas críticas literárias. Como Dominique, Anne tornou-se respeitada, foi premiada e apresentou aos franceses importantes autores como Virginia Woolf e F. Scott Fitzgerald.
Na década de 1930, Anne conheceu o escritor francês Jean Paulhan, membro da Academia Francesa e diretor da revista literária Nouvelle Revue Française (que mais tarde se tornou a prestigiosa Gallimard). Ele era casado, mas os dois tornaram-se amantes. Em 1946, Paulhan convidou Anne para ocupar o cargo de editora da Gallimard e, durante a guerra, ela participou do movimento de resistência e publicou uma antologia de poesia erótica francesa.
No documentário, Anne conta que era totalmente apaixonada por Jean Paulhan e que, apesar da relação entre os dois ter durado décadas, eles nunca conseguiram dormir juntos. Em 1954, em mais uma madrugada que passava sozinha, Anne resolveu criar uma história para o amante. Sabendo que Paulhan adorava as novelas do Marquês de Sade, ela passou a noite inteira acordada escrevendo sem parar. Na manhã seguinte, “História de O” estava concluida. Ao receber o presente, naquela mesma manhã, Paulhan não acreditou no que leu e disse a Anne que jamais imaginou que uma mulher seria capaz de escrever uma história como aquela.
Jean Paulhan editou o livro e escreveu o prefácio de “História de O”. E jamais revelou a identidade verdadeira de Pauline Réage, pseudônimo que os dois escolheram juntos. O livro tornou-se um dos romances eróticos franceses mais lidos e polêmicos do século XX (inclusive proibido durante um tempo) e a tradução inglesa vendeu mais de três milhões de exemplares.
Após a morte de Paulhan, Anne seguiu guardando seu segredo e nem mesmo sua família sabia que ela era Pauline.
Fiquei tão fascinada por essa história que passei a colecionar todos os volumes em todas as línguas que encontrei de “História de O”. Tendo, claro, o quadrinho de Guido Crepax como destaque dessa coleção, já que ele foi o meu primeiro e é totalmente fiel à história original. Sem contar que os desenhos dão um toque ainda mais erótico à obra.
Para os que nunca leram, uma boa notícia: a L&PM irá relançar a graphic novel em março de 2013. E como a capa provalvemente será diferente da lançada nos anos 80/90, vem aí mais um volume para aumentar a minha coleção. Eba!
* Toda semana, a Série “Relembrando um grande livro” traz um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis.
Eu estava atrás desse livro fazia tempo, mas não o encontrava em lugar algum. Que ótimo que a L&PM resolveu relançá-lo! Já estou na fila à espera do meu exemplar!
E não posso esquecer dar meus parabéns à autora pelo ótimo texto!
Parabéns para a Editora L&PM, por mais uma reedição de peso, conheço o livro, mas nunca li o HQ, e com a reedição em breve, vou poder matar minha curiosidade e acrescentar mais um exemplar da Editora em minha estante. Já estou na fila de espera ansioso.
Parabéns pela inciativa. E para a autora, que muitos anos antes do “50 tons de cinza e afins”, já tinha nos presenteado com um texto denso e sensual.
Olá Paula Taitelbaum, você poderia acrescentar a informação aqui no Blog sobre o nome do documentário que talvez seja este aqui, (retirado do site IMDb, eis o link: http://www.imdb.com/title/tt0424584/ ):
“Écrivain d’O (2004)»
Published in Paris in 1954, The Story of O was an immediate bestseller and literary scandal: an elegantly written S&M fantasy that had all the hallmarks of being an autobiographical account by the pseudonymous Pauline Réage. In 1994 Dominique Aury, a mild-mannered, dowdy editor for France’s prestigious Gallimard press, revealed her authorship. Pola Rapaport explores Aury’s inspiration, recreating the world of ’50s literary Paris and setting it against dramatic sequences that bring the infamous book to life. The author and various French intellectuals expound on the thorny relationship between sexuality and power, submission and freedom, liberation and non-being. Even today, The Story of O mystifies in its power and confounds in its contradictions.”
Abraço! 😉
Na época em que Anne Desclos escreveu Histoire d’O, ela já havia mudado seu nome para Dominique Aury. Ela levou mais de uma noite para escrever o romance. Paulhan realmente não editou seu texto, mas mudou uma palavra e sugeriu que ela cortasse o final, que apareceu mais tarde como uma continuação. (veja http://www.storyofo.info)