Eu sou o submerso daquelas latitudes,
deixei ali minha mãos, minha primeira abundância,
os tesouros vazios mais ricos que o dinheiro,
o fulgor desse mundo de folhas, raízes, sílabas
sem idioma, folhas entrecortadas
que uma a uma me fizeram entender a sorte
jovem e tenebrosa, e é por isso
que quando
caiu a névoa e o mar, a lava, o medo
ali caíram, enredando-se em nó de espinhos
que rodava tremendo sobre o dia
com um cauda de água hirsuta e pedras que mordiam,
e a terra paria e morria, agonizava e nascia,
e outra vez voltava a chamar-se terra e a ter noite
e de novo apagava o seu nome com espanto,
ai, ai irmãos ausentes, como se a dor fosse um
[sistema intacto,
uma taça de ar amargo entre todo o ar do céu,
ali onde eu estive chegou a meus lábios a morte,
ali onde eu estive a terra foi sacudida
e se queimou meu coração com um só relâmpago.(“Cantos Cerimoniais“, de Pablo Neruda)
Pablo Neruda nasceu Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto em 12 de julho de 1904, na cidade chilena de Parral. E só adotou o pseudônimo com o qual entrou para a história da literatura – e recebeu um Prêmio Nobel – em 1920, numa homenagem ao poeta tchecoslovaco Jan Neruda (1834-1891) –, sob o qual o jovem publicava poemas no periódico literário Selva austral. Seu primeiro livro foi lançado em 1923 e, a partir de então, ele nunca mais parou de produzir versos.