O ÚLTIMO BRINDE
(Tradução do russo de Lauro Machado Coelho)
Bebo à casa arruinada,
às dores de minha vida,
à solidão lado a lado
e à ti também eu bebo –
aos lábios que me mentiram,
ao frio mortal nos olhos,
ao mundo rude e brutal
e a Deus que não nos salvou.
Anna Akhmátova – 27/3/1934
“Akhmátova tem a sóbria e aristocrática beleza da serenidade”, escrevia, em 1962, o poeta chileno Nicanor Parra, em sua apresentação da antologia bilíngue Poesía Soviética Rusa (Ed. Progreso, Moscou). “Sua imagem, com o inseparável xale negro sobre os ombros, associa-se naturalmente à tradicional melancolia da paisagem de Leningrado, com suas imperiais grades de ferro batido e o frio brilho do Nevá, que parecem refletir a clareza clássica de seus versos, onde até a paixão veste o corpete da lógica. Seu tema central é o da alma feminina solitária, que abre caminho para a luz da compreensão e da simpatia. Seu virtuosismo técnico é do tipo que não salta aos olhos, de tal forma suas imagens conseguem ser, ao mesmo tempo, simples e profundas, dizendo tudo com simples alusões. Seus versos distinguem-se por essa capacidade de sugerir os fenômenos ‘imperceptíveis’, como as lembranças, os sonhos, a imaginação.” Essas palavras evocam bem a personalidade literária e humana de Anna Akhmátova, um dos nomes mais significativos da poesia russa no início do século XX. “Sua vida foi-nos transmitida através de notas autobiográficas, conversas e entrevistas gravadas, cartas e diários de seus contemporâneos e críticas à sua obra”, escreve Roberta Reeder, a responsável pela monumental edição integral bilíngue de seus poemas, lançada pela Zephyr Press, nos Estados Unidos, em 1990. “E, no entanto, de muitas maneiras, Akhmátova permanece um mistério.” … (início da introdução escrita por Lauro Machado de Coelho para a Antologia Poética de Anna Akhmátova, Coleção L&PM Pocket. Lauro também é responsável pela seleção dos poemas, radução do russo, apresentação e notas)