Por Lúcio Flávio (publicado originalmente no caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo em 12 de abril)
O escritor uruguaio Eduardo Galeano iniciou nesta sexta (11) a programação da 2ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em Brasília. Um dos homenageados do evento – ao lado do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna -, o autor de obras marcantes como “As Veias Abertas da América Latina” (1971) e a trilogia “Memória do Fogo“, escrita entre os anos 1982 e 1986, se surpreendeu com o tamanho do afeto do povo brasileiro. “Sinto-me sufocado de tanto carinho”, afirmou.
A força do prestígio do escritor uruguaio pôde ser conferida nas filas enormes e no princípio de bagunça durante sua chegada ao auditório do Museu Nacional da República Honestino Guimarães, na noite desta sexta (11), onde participou de palestra. Ovacionado de pé pelas centenas de pessoas que lotaram o espaço, Eduardo Galeano brindou os presentes com histórias trágicas e tragicômicas de personagens, lendas, paisagens, acontecimentos históricos e políticos da América Latina e do mundo.
Como muito senso de humor, o escritor fez o público rir e refletir com textos divertidos e críticos sobre luta pela liberdade, racismo, identidade, futebol e comportamento.
“São textos dramáticos, que podem fazer algumas pessoas sensíveis chorarem”, ironizou elegantemente.
COLETIVA DISPUTADA
Horas antes, durante uma coletiva descontraída realizada com a imprensa no hotel onde estava hospedado, o escritor falou abertamente sobre as manifestações realizadas nas ruas do país, o corporativismo no futebol e as expectativas da Copa do Mundo no Brasil.
“Não acredito nos profetas bíblicos, muito menos nos profetas esportistas. O melhor a fazer é esperar e calar a boca”, disse Galeano, que participa neste domingo (13), às 16h, do debate “Futebol e Ditaduras na América Latina”.
Sobre o livro (“As Veias Abertas da América Latina“) que o tornou referência no mundo todo para artistas, políticos, revolucionários e utópicos, confessou não ter mais nenhuma ligação afetiva.
“Depois de tantos anos, não me sinto mais ligado a ele”, admitiu o escritor. “O tempo passou e descobri outras maneiras de me aprofundar na realidade. É uma etapa superada. Se fosse reler o livro hoje cairia desmaiado, não aguentaria”, brincou.
Foi cauteloso ao responder a uma pergunta da Folha sobre a possível derrota da esquerda no continente. “É uma afirmação arriscada. A esquerda foi demolida muitas vezes por ter dado certo”, observou.
“Foi castigada pelas ditaduras, pelos sacrifícios humanos e pelas barbaridades cometidas em nome da paz, do progresso e da democracia. Por períodos, a esquerda também cometeu erros gravíssimos. A realidade tem o poder da surpresa. Até porque dá respostas a perguntas não formuladas”, refletiu Galeano, que teceu elogios ao amigo e presidente do Uruguai, José Mujica, o chamando de um homem de “grande sensibilidade”.