Casimiro de Abreu foi o poeta do amor e da saudade. Os dois sentimentos são a alma de sua poesia. O próprio autor fala sobre seus cantos na introdução do livro Primaveras:
Um dia – além dos Órgãos, na poética Friburgo – isolado dos meus companheiros de estudo, tive saudades da casa paterna e chorei.
Era de tarde; o crepúsculo descia sobre a crista das montanhas e a natureza como que se recolhia para entoar o cântico da noite; as sombras estendiam-se pelo leito dos vales e o silêncio tornava mais solene a voz melancólica do cair das cachoeiras. Era a hora da merenda em nossa casa e pareceu-me ouvir o eco das risadas infantis de minha mana pequena! As lágrimas correram e fiz os primeiros versos da minha vida, que intitulei – Às Ave-Marias: – a saudade havia sido a minha primeira musa.
Era um canto simples e natural como o dos passarinhos, e para possuí-lo hoje eu dera em troca este volume inútil, que nem conserva ao menos o sabor virginal daqueles prelúdios!
Depois, mais tarde, nas ribas pitorescas do Douro ou nas várzeas do Tejo, tive saudades do meu ninho das florestas e cantei; a nostalgia me apagava a vida e as veigas visonhas do Minho não tinham a beleza majestosa dos sertões.
Eu era entusiasta então e escrevia muito, porque me embalava à sombra duma esperança que nunca pude ver realizada. Numa hora de desalento rasguei muitas dessas páginas cândidas e quase que pedi o bálsamo da sepultura para as úlceras recentes do coração; é que as primeiras ilusões da vida, abertas de noite – caem pela manhã como as flores cheirosas das laranjeiras!
Flores e estrelas, murmúrios da terra e mistérios do céu, sonhos de virgem e risos de criança, tudo o que é belo e tudo o que é grande, veio por seu turno debruçar-se sobre o espelho mágico da minha alma e aí estampar a sua imagem fugitiva. Se nessa coleção de imagens predomina o perfil gracioso duma virgem, facilmente se explica: – era a filha do céu que vinha vibrar o alaúde adormecido do pobre filho do sertão.
Rico ou pobre, contraditório ou não, este livro fez-se por si, naturalmente, sem esforço, e os cantos saíram conforme as circunstâncias e os lugares os iam despertando. Um dia a pasta pejada de tanto papel pedia que lhe desse um destino qualquer, e foi então que resolvi a publicação das – Primaveras; depois separei muitos cantos sombrios, guardei outros que constituem o meu – livro íntimo – e no fim de mudanças infinitas e caprichosas, pude ver o volume completo e o entrego hoje sem receio e sem pretensões.
Todos aí acharão cantigas de criança, trovas de mancebo, e raríssimos lampejos de reflexão e de estudo: é o coração que se espraia sobre o eterno tema do amor e que soletra o seu poema misterioso ao luar melancólico das nossas noites.
Meu Deus! que se há de escrever aos vinte anos, quando a alma conserva ainda um pouco da crença e da virgindade do berço? Eu creio que sempre há tempo de sermos homem sério, e de preferirmos uma moeda de cobre a uma página de Lamartine1.
De certo, tudo isto são ensaios; a mocidade palpita, e na sede que a devora decepa os louros inda verdes e antes de tempo quer ajustar as cordas do instrumento, que só a madureza da idade e o trato dos mestres poderão temperar.
O filho dos trópicos deve escrever numa linguagem – propriamente sua – lânguida como ele, quente como o sol que o abrasa, grande e misteriosa como as suas matas seculares; o beijo apaixonado das Celutas deve inspirar epopéias como a dos – Timbiras – e acordar os Renés enfastiados do desalento que os mata. Até então, até seguirmos o vôo arrojado do poeta de – I-Juca-Pirama2 – nós, cantores novéis, somos as vozes secundárias que se perdem no conjunto duma grande orquestra: há o único mérito de não ficarmos calados.
Assim, as minhas – Primaveras – não passam de um ramalhete das flores próprias da estação, – flores que o vento esfolhará amanhã, e que apenas valem como promessa dos frutos do outono.
Rio de Janeiro, 20 de Agosto de 1859.
Casimiro de Abreu