A “dominatrix” Lou Andreas-Salomé

Friedrich Nietzche e Paul Rée, ambos alemães, ambos filósofos, ambos apaixonados pela mesma mulher: a jovem russa Lou von Salomé. Em 1882, os dois amigos – primeiro Rée e depois Nietzsche – pediram a mão de Lou em casamento. Ela, que na época tinha apenas 20 anos, não aceitou nenhum deles. Após recusá-los, Nietzsche sugeriu que os três fizessem uma foto juntos. A história desta fotografia, até hoje polêmica, está contada em “Lou Andreas-Salomé”, de Dorian Astor (Série Biografias L&PM).

O pedido solene acontecerá em 13 de maio, em Lucerna: um encontro é marcado no parque Löwengarten, ao pé da estátua do leão. Rée aguarda no hotel, ansioso, Nietzsche faz sua declaração, Lou reitera sua recusa, relembra sua aversão pelo casamento, insiste numa comunidade intelectual e amigável, à qual o nome de Rée não deixa de ser associado. Eles vão ao encontro de Rée no hotel. Nietzsche, para salvar as aparências, propõe que eles celebrem a Trindade com uma fotografia que seria encomendada a seu amigo Jules Bonnet. Rée detesta sua própria imagem e é reticente; mesmo assim, os três amigos acertam a representação de sua amizade, sob a direção de Nietzsche. Esse famoso retrato não deixa de causar desconforto. O trio se organiza ao redor de uma pequena charrete, diante de um cenário representando a montanha de Jungfrau (a Virgem).

bonnetNietzsche

Rée, no centro e em primeiro plano, olha para a câmara com um sorriso embaraçado, suas mãos procuram uma posição, a direita colocada dentro do colete, a esquerda roçando a atrelagem. Atrás dele, Nietzsche segura a atrelagem com mais convicção, com o olhar voltado para longe, em direção a um ponto obscuro. Lou está desconfortavelmente sentada dentro da charrete, fixando a câmera com um semirrorriso satisfeito: ela segura na mão direita um chicote ornamentado com lilases, pronta para fustigar os dois homens como dois bons cavalos de tração. Sua mão esquerda segura como rédeas as extremidades de uma corda enlaçada ao redor dos braços de Rée e Nietzsche. Comenta-se que o próprio Bonnet se chocara com a incidência da pose. Mas os três nada quiseram ouvir.

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Muito se comentou essa fotografia, que alimentou, em relação a Lou von Salomé, a imagem da mulher fatal e cruel, aos pés de quem os homens – mesmo um gênio da dimensão de Nietzsche – se humilhavam, como que estupidificados. Se for para interpretar essa posição como uma encenação masoquista (dois homens amarrados e submissos, e uma dominadora armada com um chicote), também será preciso especificar que a relação masoquista repousa num contrato livremente aceito, no qual o mestre do jogo não é aquele que pensamos. (…) Depois de analisar por tempo suficiente essa fotografia, vemos que o mais tragicamente sério é Paul Rée, aquele que não queria ser fotografado, aquele que não gostava de si mesmo, aquele que Nietzsche descreveria dois meses depois, num rascunho de carta para Malwida, da seguinte maneira: “A ideia de perpetuar a humanidade lhe é insuportável: ele não consegue vencer seu sentimento de aumentar o número de infelizes.” Rée desejaria de fato aquele casamento? Tudo acontece como se cada um dos três personagens da fotografia, reunidos para “celebrar a impossibilidade de um simples casamento”, fizesse com os outros dois um contrato de natureza completamente diferente: retardar a realização, adiar o desenlace, ser pura tensão, pura direção. Sujeitos a rebentar como uma corda tensionada demais. As duas bestas de carga se esgotarão. A condutora se sairá melhor.  

Em 1887, Lou se casaria com Friedrich Carl Andreas. Em 1897, se tornaria amante do escritor Rainer Maria Rilke e, mais tarde, seria acolhida por Freud como sua discípula mais brilhante.

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