Pablo Neruda
(do livro Residência na Terra II – tradução de Paulo Mendes Campos)
Um enlutado dia cai dos sinos
como trêmula teia de vaga viúva,
é uma cor, um sonho
de cerejas mergulhadas na terra,
é uma cauda de fumaça que chega sem descanso
a trocar a cor da água e dos beijos.
Não sei se me entendem: quando do alto
se avizinha a noite, quando o solitário poeta
à janela ouve correr o corcel do outono
e as folhas do medo pisoteado rangem nas suas artérias
há algo sobre o céu, como língua de boi
espesso, algo na dúvida do céu e da atmosfera.
Voltam as coisas ao lugar,
o advogado indispensável, as mãos, o azeite,
as garrafas,
todos os indícios de vida: as camas, sobretudo,
estão cheias dum líquido sangrento,
a gente deposita sua confiança em sórdidas orelhas,
os assassinos descem escadas,
mas não é isto, e sim o velho galope,
o cavalo do velho outono que tremula e dura.
O cavalo do velho outono tem a barba vermelha
e a espuma do medo lhe cobre as faces
e a aragem que o segue tem forma de oceano
e perfume de vaga podridão enterrada.
Todos os dias baixa do céu uma cor cinzenta
que as pombas devem repartir pelas terras:
a corda que o esquecimento e as lágrimas tecem,
o tempo que dormiu longos anos dentrodos sinos,
tudo,
os velhos trajes mordidos, as mulheres que olham
chegar a neve,
as papoulas negras que ninguém podem contemplar sem morrer,
tudo cai nas mãos que levanto
no meio da chuva.
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O OUTONO
IALMAR PIO SCHNEIDER
Quando surge o outono e as folhas começam a cair, meu pensamento se volta aos tempos em que, de pés descalços, na minha infância, caminhava sob os bosques a despojar-se de sua verdura, cumprindo os ditames da natureza. É também a época da colheita de muitas frutas silvestres e isto compensa certa tristeza que desperta a paisagem. Não é por nada que os grandes autores se ocuparam com esta estação do ano que parece ir definhando rumo ao inverno que se aproxima. Ainda há pouco estive lendo um poema, em francês, do grande vate romântico Alphonse De Lamartine, “L’AUTOMNE”, que diz, no início: “Salve, bosques coroados de um resto de verdura !” E ele descreve os últimos dias sombrios que representam, por assim dizer, o luto da natureza.
Por outro lado, chega ao ponto em que no auge de sua melancolia, expressa seu desespero e fala assim: “Talvez o futuro me guarde ainda / um retorno à felicidade cuja esperança é perdida ! / Talvez, na multidão, uma alma que eu desconheço / compreenderá minh’alma e me terá correspondido !…” Desta maneira, o outono representa também a chegada da idade madura e princípio da velhice, pois é o tempo da colheita do que se plantou ao longo da existência. E aí o poeta canta sua desilusão de amor, já que na escola do romantismo, a tristeza que acometia os autores de poesia, considerada “o mal do século”, se fazia sentir em todas as produções literárias. Não foram poucos os que naufragaram nos mares da loucura ou se fizeram vítimas de sua mórbida imaginação de incompreensão e nostalgia; muitos ceifados em plena mocidade pela tuberculose, doença para a qual não havia cura.
Hoje em dia, a ciência avançou, vieram as grandes descobertas no ramo da medicina, o tema também tomou outro rumo e os cultores da arte poética, cada vez mais, foram atingindo idades avançadas. Só para citar cinco dos grandes poetas do modernismo, ou seja, o nosso Mário Quintana, o pernambucano Manoel Bandeira, o mineiro Carlos Drummond de Andrade e os paulistas Guilherme de Almeida e Menotti del Picchia, chegando próximo aos noventa anos de idade. Não poderia deixar de lado outros tantos que por motivos óbvios ora não nomeio, escusa-me desculpar-me. Em outra oportunidade, quiçá, me penitencie desta falta.
Entretanto, quando chega o outono e vemos as folhas caindo, sentimos que é o ciclo da natureza que vai cumprindo seus desígnios e nós somos tomados de mais uma contemplação da seara a ser colhida.
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