Woody Allen é um intelectual europeu. Sempre foi. E a prova disso é seu culto à Nova York, a menos americana de todas as cidades americanas. Quem leu “Cuca Fundida”, “Sem Plumas”, e todos os contos e peças de Allen, poderá constatar que ele não é um cineasta americano. É um cineasta internacional. Nos últimos tempos, Woody Allen escancara esta condição ao fazer filmes que contemplam cidades cosmopolitas do mundo e personagens com diferentes sotaques. Tenho ouvido pessoas tentando criticar “Meia noite em Paris”, dizendo que é um filme de clichês, uma visão americanizada da cultura européia. Não acho. Esta, na verdade, é a nossa visão. Mesmo porque, a impressão que nós temos da Europa é aquecida pelo ponto de vista que os americanos têm do Velho Mundo. E quem disse que esta é uma falsa visão?
Se você ainda não leu, leia o livro de Gertrude Stein Autobiografia de Alice B. Toklas. É escancaradamente uma das inspirações para o roteiro de “Meia noite em Paris”. Você vai entender porque Paris era o paraíso dos intelectuais e artistas na primeira metade do século XX. Na verdade, Paris era o paraíso de TODOS os artistas. Se ficou esta ideia de uma “visão americana” da Paris, é porque os americanos Hemingway, Fitzgerald, Henry Miller, Gertrude Stein, T. S. Eliot, sem dúvida nenhuma escreviam bem melhor do que os outros… (Ivan Pinheiro Machado)
Veja alguns trechos do livro que certamente inspirou Woody Allen:
“A casa da Rue de Fleurus, número 27, se compunha, tal como hoje, de um minúsculo pavilhão de dois andares com quatro pecinhas, cozinha e banheiro, e um vasto ateliê anexo. (…) Toquei a campainha do sobrado e fui levada ao minúsculo vestíbulo e depois à pequena sala de refeições forradas de livros. No único espaço livre, as portas, havia desenhos de Picasso e Matisse presos por tachinhas.”
“Eliot [T.S. Eliot] e Gertrude Stein mantiveram uma conversa solene, principalmente a respeito de infinitivos separados por preposições e outros solecismos gramaticais e por que motivos Gertrude Stein gostava de usá-los.”
“A primeira coisa que aconteceu quando regressamos a Paris foi encontrar Hemingway com uma carta de recomendação de Sherwood Anderson. Eu me lembro muito bem da impressão que tive de Hemingway naquela primeira tarde. Era um rapaz extraordinariamente bonito, de vinte e três anos de idade. Faltava pouco tempo para todo mundo ter vinte e seis…”
“Getrude Stein e Fitzgerald são muito estranhos na relação que mantêm entre si. Gertrudes Stein tinha ficado impressionadíssima com Ths Side of Paradise. Leu quando saiu e antes de conhecer qualquer escritor da nova geração americana. Disse que considerava o livro como a primeira manifestação pública da nova geração. E nunca mais mudou de opinião.”
O livro é impossível de terminar. A cada novo personagem descobrimos uma nova leitura e a vontade é fazê-las todas ao mesmo tempo. Gertrude Stein, ao escrever sua autobiografia como se fosse sua amante Alice, pode falar de si mesma em terceira pessoa e aproveita cada recurso deste jogo linguístico. O texto é bem humorado e cheio de perfis. Uma delícia.
Estou lendo o livro Anos Loucos que mostra Paris de 1920, é praticamente um retrato do filme