Por José Antonio Pinheiro Machado
A caminho da Paris Cookbook Fair, Anonymus Gourmet fez o que chama de “escala fundamental” em Lisboa, onde se reencontra “com as raízes essenciais da alma lusitana”. Um dos símbolos vivos dessa estirpe é sem dúvida o Almirante Vasco Marques.
Depois de dominar os oceanos por quatro décadas com sua argúcia de velho lobo do mar, o Almirante Vasco Marques, agora, vive em sossegada reforma, ao lado da sua Rosarinho, num castelo aprazível do Bairro Alto de Lisboa. Quando a noite desce sobre a Península Ibérica, enquanto Rosarinho leva ao forno uma garoupa recém pescada, o “Homem do Norte” (como o Almirante é conhecido na cidade do Porto) desce à adega suntuosa e mergulha na dúvida torturante: “Barca Velha ou Château Margaux? O que beber no jantar?” Mas as navegações do Almirante prosseguem, mesmo em terra firme.
“Navegar é o destino dessa raça!…” − diz Rosarinho, resignada ante a vocação incontornável do grande marinheiro. O comentário é feito, não por acaso, ao pé da belíssima estátua de Pedro Álvares Cabral que domina o átrio do castelo onde mora o casal. Quando fala em “raça”, Rosarinho se refere de forma ambivalente à raça portuguesa e também à raça dos homens indômitos que arrostam os perigos, os presságios e a tempestade. O Almirante, sem qualquer vaidade, sabe que pertence às duas estirpes. Ele compreendeu os versos de Fernando Pessoa − navegar é preciso, viver não é preciso − terçando armas com um pirata armênio no tombadilho de uma escuna (antigo navio à vela, de mastreação constituída de gurupés e dois mastros): navegar é uma ciência exata e necessária; viver, além de ofício incerto, só é indispensável com honra.
Na reforma sossegada, − depois da garoupa inexcedível, nos devaneios do conhaque, − o Almirante reflete que tem apenas três características que o diferenciam da “raça” portuguesa: 1) detesta bacalhau; 2) detesta pastéis de Belém; 3) adora piadas de português. Em relação ao item 3, é dos arquivos do almirantado a história do alentejano que foi a Lisboa consultar um médico. O alentejano, aquele matuto natural do Alentejo, a região mais pobre de Portugal, foi a Lisboa para o exame periódico de saúde.
−Você bebe? − perguntou o médico.
− Dois ou três copos de vinho nas refeições… − respondeu o alentejano.
− Fuma ?
− Dois charutos por dia.
− E … quanto ao sexo ? − quis saber o médico.
− Uma ou duas vezes por mês. − foi a resposta.
O médico ficou perplexo:
− Sóóóóóó !?!?!? Com a sua idade e a sua saúde? Eu que sou muito mais velho, tenho sexo duas a três vezes por semana.
O alentejano ficou meio sem jeito:
− Pois é, doutor… Mas o senhor é médico em Lisboa. E eu sou padre numa pequena vila do Alentejo!
Segundo o Almirante Vasco Marques, essa é uma cena da vida real que ilustra o debate atual sobre castidade e casamento dos padres.